segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Confessando (também) meus fracassos

Quero confessar, o mais descaradamente possível, que vou plagiar o antropólogo Darcy Ribeiro. É que ele, ao receber o titulo de Doutor Honoris Causa da Sorbonne, em 1978, resolveu escancarar suas desilusões políticas e culturais, num caudaloso discurso – magnífico! – que, infelizmente, não dá como reproduzir aqui. E justifica: “em lugar de louvações me pus a lamentar, modesto, os fracassos de minha vida inteira”. E explica: “falsos fracassos, logo se vê. Modéstia mais falsa ainda. Num golpe de mágica assumi, imperialmente, os fracassos do Brasil na luta para apossar-se de si mesmo, fazendo deles fracassos meus. Meus e dos brasileiros todos, disse eu lá no heráldico salão das grandes escadarias”.


Na impossibilidade de transcrever o discurso, esclareço que o Educador não deixou barato. Expôs sua trajetória, mas ressaltando que quase todas suas iniciativas nas áreas de educação e antropologia foram acompanhadas de enormes desilusões. Lembremos que Darcy criou a Universidade de Brasília, ao lado de Oscar Niemayer e Lucio Costa, colaborou com os Irmãos Villas-Boas na criação do Parque Indígena do Xingu, foi viver suas experiências entre os índios, foi Secretário de Estado, depois Ministro da Educação. Anisio Teixeira o aproximou da temática pedagógico-educacional, semente dos futuros Cieps em sua concepção original: a criançada entrando nas escolas, estudando, fazendo esportes, se alimentando e voltando para casa no final da tarde. Depois o Golpe Militar de 64 cassou seus direitos, e foi fazer política e pregar cultura e educação pela América Latina. Seus “fracassos” se localizam em áreas que sofreram regressão ou abandono ou interesses políticos – como é o caso específico dos Cieps.

Admirável a personalidade do educador, de palavrório solto – e é lá. No admirável “Testemunho”, recém editado pela EUB, que vou catar um trecho delicioso: “Falar de mim mesmo é a tarefa que mais me agrada e gratifica. Todo entrevistador de rádio, jornal ou televisão sabe que nem é preciso me fazer pergunta; basta ligar o gravador e me deixar falar, que falo. Incansavelmente. Para mim, pelo menos”. Grande Darcy!

Finjo que estou na Sorbonne, me reduzo à condição de um simples ativista cultural brasileiro, e aqui venho lamentar alguns dos fracassos colhidos ao longo de quase 75 anos de vida, 2/3 dela no ofício espinhoso de jardineiro de sonhos e utopias.

CLEMENTINA DE JESUS

Há quem viva navegando na tênue nuvem do sucesso, com memória superseletiva que abomina lembrar uma outra escadaria, maior do que a de Sorbonne de Darcy, aquela que passo a passo, igual aos romeiros da Igreja da Penha, esfolamos nossos joelhos em busca de uma graça prometida. Às vezes, cura de uma doença ou moléstia tão grave que é falta de dinheiro. Mas há quem galgue as escadas para implorar um espaço qualquer num pódio que a indústria cultural reserva para pouquíssimos. “Sucesso, quero fazer sucesso!” – gritam, desesperados (e esfolados).

Vamos, pois, desafiar o rosário. E começando por Mãe Quelé, aproveitando o mote do antropólogo. Dele recolho uma frase admirável: “Clementina (de Jesus) é a voz dos milhões de negros desfeitos no fazimento do Brasil. Poderosa voz anunciadora do brasileiro que, amanhã, se assumirá como povo mulato, mais africano que lusitano”. Fez mais: abriu as portas do Municipal para homenageá-la, embora eu continue achando um equívoco. A imaterialidade do canto de Clementina transcende o patrimônio físico representado por aquele teatro. Se houve alguma simbologia no ato de homenageá-la naquela casa, faltou-me explicação.

Lembro quando o município de Valença resolveu homenagear a memória de Clementina, erigindo um busto em praça pública. Cá estou diante da doce professora Dilma Dantas, então Assessora de Cultura, que veio sem explicar como se daria a inauguração. Expus o seguinte: busto em praça pública só serve pra pombo cagar em cima. Por que não um livro sobre Clementina, para que os jovens pudessem entender a trajetória daquela iluminada personagem valenciana? “Seria caro!” – e expliquei que não, e nos juntamos a Lena Frias, a Nei Lopes e Paulo César de Andrade – e entregamos nossos textos totalmente de graça. E, enfim, o livro foi editado com baixíssimo custo industrial.

Clementina, enfim, foi um dos meus fracassos. A voracidade de alguns herdeiros é bastante conhecida, e os de Clementina não fogem à regra. O livro nunca pôde ser reeditado, assim como os discos de Clementina sofreram uma só reedição, patrocinada pela Petrobras. “Ninguém vai querer comprar”, explicou a gravadora. Há pouco tempo, retribuindo gentileza de Eduardo Escorel que me mandou uma cópia do documentário que fez sobre Chico Antonio, mandei-lhe a penúltima caixa que ainda possuía com dez CDs de Mãe Quelé. Sua memória ficou restrita a poucos.

ANTONIO CANDIDO E SEUS PERSONAGENS SECUNDÁRIOS

Há pouco tempo, e acho que já contei isso aqui, fui assistir a uma palestra do professor Antonio Candido. Era o lançamento da epistolografia de Mário de Andrade com o fazendeiro Pio Correia. O professor foi logo esclarecendo: não gostava de falar dos chamados protagonistas, de resto quase sempre muito conhecidos e incensados. Preferia os “personagens secundários”. No caso, o fazendeiro Pio e o pai de Mário. Deu-se o clarão: minha vida inteira a dediquei a esses personagens marginalizados pelo sistema, e reduzo a lista a Clementina de Jesus e Valzinho para não me tornar (mais) cansativo.

Outro dos meus fracassos eu o relembro em função do esclarecimento prestado por Antonio Candido, e se relaciona à ex-TVE, hoje TV Brasil. Nela produzi centenas de programas, sempre colocando meus personagens secundários em destaque, já que estavam compulsoriamente afastados pelas emissoras de TV, que os desejava mais glamurosos e não necessariamente portadores de conteúdo – pois até hoje a grande maioria das emissoras de rádio e televisão age com esse critério seletivo. Uma das poucas exceções é Cartola, que foi catapultado da obscuridade através de sua genialidade, assim como Pixinguinha. Inquestionáveis, não havia como barrá-los.

Expliquemos o fracasso: mandei carta para Tereza Cruvinel, atual presidente da TV Brasil, denunciando um fato que me prece no mínimo escandaloso. Boa parte do acervo de programas que estava se deteriorando nos arquivos da então TVE foi recuperado graças ao apoio financeiro recebido da Petrobras. Finalizado o trabalho (tenho em mãos a relação do acervo recuperado) todo o material foi devolvido aos depósitos onde haviam mofado. Ou seja: devolvidos ao anonimato.

PROJETO PIXINGUINHA: RELEMBRANDO UMA CAFAJESTICE CULTURAL

Outro fracasso se deu há quase dois anos, quando fui chamado para fazer a curadoria dos 30 anos do Projeto Pixinguinha. Apresentei contraproposta para aceitação ao convite: a reedição de alguns projetos, inclusive o Lucio Rangel de Monografias, e, sobretudo, o Radamés Gnattali – um projeto na época gerenciado por Roberto Gnattali e Luiz Otávio Braga, com edição de discos paradidáticos. Como já foi declarado abertamente na época pela imprensa, fui torpemente enganado. Já havia um projeto de sepultamento do Projeto Pixinguinha, e eu, sem querer, fui chamado solertemente para celebrar suas exéquias. Mais um fracasso.

EVENTO PARA MIM É VENTO, UM ATO EVENTUAL QUE NÃO DEIXA RESIDUOS

Não mudando de assunto, que ele ainda não acabou, quero falar sobre o mercado da música, e de uma multidão de jovens artistas que tentam um espaço nas megavitrines representados pelos teatros municipais e estaduais, que antes abrigaram projetos como o Pixinguinha e o Seis-e-Meia, do Albino Pinheiro. Bom, a prefeitura inaugurou o “Sete em ponto”, semanal, no Teatro Carlos Gomes. O fechamento temporário do Municipal para obras fez com que as agendas dos demais teatros municipais ficassem congestionadas, recebendo a programação destinada àquele templo da música. Tudo bem. Ele vai reabrir, reequipadíssimo. O João Caetano já passou por uma parcial reforma (até com cadeiras para obesos e elevador para deficientes, como ordena a lei). A Sala Cecilia Meirelles vai, enfim, entrar em obras – e tomara que os dois prédios a ela vizinhos sejam igualmente recuperados, com suas fachadas deslumbrantes.

Mas o que anda me incomodando, e muito, é a falta de registro de projetos, programas e eventos da maior importância, que simplesmente caem no esquecimento por falta de um resíduo cultural que ele poderia provocar, se interesse houvesse das telemissoras ditas culturais ou educativas. São espetáculos importantes que, ensaiados durante meses, acabam se perdendo na memória. Dou como exemplo o tributo prestado a Luis Carlos da Vila na Praça Mauro Duarte, no bairro de Botafogo (RJ). Se você perdeu, como perdi, aquele evento, entenderá minha insatisfação. Tudo que não se registra se perde, há anos venho repisando o que tantos já se cansaram de advertir. O lógico é que um dos teatros municipais ou estaduais acolhessem essas propostas e, conveniados com uma rede televisiva federal, municipal ou estadual, fizessem o registro do é-vento, permitindo sua futura acessibilidade por parte do público. Bem, vamos ampliar a queixa: já repararam nos horários tardios em que esses registros (poucos) entram nas grades de programação?

ATÉ SANGRAR

Já havia me aposentado como produtor de discos quando Olívia Hime sugeriu que se produzisse um disco de Áurea Martins. Chamei Zé-Maria Camiloto Rocha para co-produzir o “Até sangrar”, que resultou no prêmio (ex-Tim, ex-Sharp) de melhor cantora de 2009 para Áurea. Desde então, venho tentando abrir um espaço para celebrar essa premiação. Afinal, Áurea só havia recebido um prêmio na vida, quando venceu o concurso “A grande chance”, há 45 anos. Promessas aqui e ali, e nada de concreto. Não, não computo esse desapontamento como um fracasso. Áurea foi consagrada com inúmeras críticas nos jornais, menos, é claro, nas revistas semanais tipo “Veja”, “Istoé’, “CartaCapital” – e façamos justiça à essa última publicação: o Pedro Alexandre Sanches escreveu uma longa matéria sobre o livro que escancara os preconceitos em torno das cantoras negras, mas com um lapso de amnésia indesculpável esqueceu-se, apenas, de comentar que nem ele publicou nenhuma resenha crítica sobre o “Até sangrar” naquela revista.

EM CONTRAPARTIDA...

Não vamos trabalhar com a regra (um mercado musical multifacetado, com os olhos voltados para a cultura descartável), mas lançar também um olhar despreconceituoso e mais atento às exceções dessa regra. Pedi a uma querida ex-aluna da Oficina de Coisas da Escola Portátil de Música, Gabriela Buarque, que me enviasse um texto falando de sua luta para abrir espaço para ela e também para outros novos valores. Vamos lá:

“Semana passada me fizeram uma pergunta sobre os espaços do Rio de Janeiro para novos compositores. Na tentativa de fugir do padrão de resposta “só reclama e não faz nada para mudar” – que vem se multiplicando nos depoimentos de meus colegas de trabalho – comecei a enumerar alguns locais que nos são mais acessíveis. Sem qualquer espanto do entrevistador, depois de três referências, não me recordava de mais nenhum. Raras e preciosas iniciativas como a da ARPUB (Associação das Rádios Públicas do Brasil) devem ser louvadas. A promoção de seu I Festival de Música levou às Rádios MEC e Nacional composições inéditas da nova geração na tentativa de revigorar a canção brasileira que, a esta altura, até ameaça de extinção sofrera. Fico pensando o que seria dos consagrados nomes da nossa música não fossem os veículos de massa da época para divulgar seus trabalhos e incentivá-los através de grandes festivais, das rádios e outras mídias. Interesses políticos à parte, tais manifestações alavancaram fulanos como Chico, Caetano, Gil, Elis, Nara e tantos desconhecidos até então. Sobreviveriam os mesmos nos dias de hoje? O cenário atual, cuja a quantidade de informação ultrapassa a capacidade mínima de absorção e entendimento, vem transformando artistas e suas mais admiráveis peculiaridades em produtos descartáveis e obsoletos a cada segundo que passa. O artista que, há alguns anos, lotava um teatro, por exemplo, atualmente busca soluções de marketing para atrair o público. Nunca foi tão importante a presença de convidados ‘especiais’ e depoimentos de terceiros para agregar valor à sua imagem e, por conseguinte, ao seu CD. É, no mínimo, paradoxal que, diante de tamanha riqueza, não haja interesse público em divulgar e preservar esse material. As salas de concerto do Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil são as choperias cariocas, aonde, eu lhes asseguro, a última coisa que se deseja é ouvir música. É lamentável que parta de nós a defesa e propagação da música popular brasileira."
Gabriela Buarque (16/11/2009)
Claro, o assunto não se encerra aqui. Por uma questão de justiça, temos que louvar instituições que mantém programas culturais em seus calendários. O Centro Cultural do Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o BNDES, a Petrobras, o Sesc e secretarias municipais e estaduais de cultura que administram generosos espaços culturais.

Voltaremos ao assunto.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

As quiches de Vivi e as madeleines de Proust


Meus amigos,

Minha cumadi e afilhada Virginia carrega o sobrenome Tapajós por conta de seu casamento com meu parceiro Mauricio, cerimônia à qual compareci na qualidade de padrinho do casal. Ambos, depois, me deram Márcio para batizar e este, por sua vez, casou-se com Juju – e lá estava eu, todo prosa, representando meu falecido parceiro e compadre na cerimônia religiosa. Claro, Virginia e eu desaguamos rios de lágrimas.


Mauricio Tapajós clicado por Walter Firmo.
Minha cumadi gosta de festas, aniversários, de amigos em volta. Na última reunião que promoveu, semana passada, encontrei mais um par de afilhados: Joyce e Tutti Moreno, mais o poeta Paulinho César Pinheiro. Mauricio se foi, mas deixou seus amigos para Virginia, Márcio e Lúcio. Sempre gostou de cozinhar, a minha cumadi. Se abandonasse a matemática e resolvesse ser escritora, boa parte da história da música brasileira ela poderia contá-la em detalhes. Milton Nascimento, o MPB-4, Chico Buarque que o digam.

Recebi o seguinte imeio, que repasso a vocês:

Amigos e amigas,
Todos vocês sabem que sempre abracei com muito carinho e dedicação tudo que se relacionava com “Educação”. Alguns de vocês também sabem que minha outra paixão é “Cozinhar”. Pois bem, Educação saiu do caminho para dar passagem à “Arte Culinária”.
Estou fazendo “Quiches” sob encomenda – ‘Quiches da Vivi”. O resultado tem sido bom. Estou anexando o panfleto com os variados recheios das quiches. Divulguem!
Beijos,
Virginia


E-mail: quichedavivi@gmail.com


RECHEIOS
Abobrinha com nozes e passas
Alho poró
Berinjela com Tomate Seco e Manjericão
Berinjela com Nozes e Passas
Brie com Damasco
Calabresa com cebola
Cebola
Champignon com bacon
Espinafre com Queijo Gruyère
Funghi
Lorraine
Queijo Provolone
Quatro Queijos com Castanha do Pará
Salaminho com Queijo
Tomate Seco com Mussarela de Búfala


PREÇOS
Mini Quiches: R$ 5,00 e R$ 6,00*
Médio: R$ 40,00 e R$ 45,00*
Grande : R$ 60,00 e R$ 65,00*


* Recheios Especiais: Brie com Damasco; Tomate Seco
com Búfala; Espinafre com Gruyère; Funghi.
Se preferir outro recheio, fique à vontade – ela avisa. Avisa mais: contratou motoboy para entregas caseiras.

Vocês dirão: o que deu no poeta? Seu blog virou anúncio de classificados? Sim e não. No meu “Cartas cariocas para Mario de Andrade” coloquei a receita das Madeleines tão apreciadas por Mário de Andrade, receita extraída do “Dining with Marcel Proust”, editado pela Thames and Hudson, de Londres. Autora: Shirley King.

Mas é impossível não dividir com vocês mais essa novidade-novidadeira de minha cumadi Virginia Tapajós. Ela é o cão chupando manga quando vai pra cozinha.

Meu sonho, agora, é provocar um embate culinário entre ela e Lucinha. Quem já sentou à minha mesa, sabe do que falo.

E esse é um excelente pretexto para, enfim, lembrar meu parceiro e colocá-lo aqui em nosso blog, ele dono de um cardápio musical variadíssimo.

Vamos lá?


Joyce canta "Vida jogada fora" (Mauricio Tapajós/Paulo César Pinheiro) em sessão de gravação do CD "Maurício Tapajós - Sobras Repletas".

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

As histórias de Noel Rosa

Abaixo, trechos de um documentário sobre Noel Rosa, produzido pela TVE na década de 1980, com apresentação de Hermínio. Infelizmente, tiraram os números musicais do programa.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A Internet e o Conjunto Rosa de Ouro

Raramente a Internet contextualiza (e legenda)

Durante muito tempo relutei em conhecer a Internet, essa máquina do diabo. Minha antipatia adensou quando, pra ficar num exemplo, um sub-neto (sim, existe essa categoria) pediu para “fazer uma pesquisa” encomendada por sua escola. Essa garotada, como se sabe, maneja bem a linguagem de seu tempo, que é a dos computadores. O meu ainda (tempo) era o da máquina de escrever, da câmera fotográfica com rolinho de filme, da calculadora ligada à eletricidade – e sobretudo do telefone como o concebeu Graham Bell. Me vejo, menino do bairro da Glória, tirando o fone do gancho: “Alô, 42-2435”. Hoje telefone não só telefona como também filma, manda e-mail, tem calculadora, entra na Internet – e em breve fritará ovos e acoplará outras atividades, inclusive as sexuais, atendendo-as com excentricidades e bizarrices – se é que me faço entender.

Sim, a Internet fornece “pesquisas”. Ontem, ao ler uma apostila extraída do computador, fiquei pasmo com a falta de conteúdo da mesma. Acho (sempre procuro, aliás, e nunca acho...) que fazem falta no ensino de hoje a redação de nível autoral, mesmo que em laptop, já que essa coisa de caligrafia está indo pro espaço há muito tempo. Pela falta de hábito, nem eu consigo reler os bilhetes que rascunho. E o ensino da música nas escolas? Fundamental! E, sonho meu! que a ecologia fosse incorporada como matéria obrigatória nos cursos primários.

A Internet, claro! informa – mas também induz à preguiça.

Mas sou, sim, a favor das novas tecnologias. Veja o telefone celular com filmadora, rompendo o cerco de censura que baixou no Irã. São os jovens fazendo uso político desse aparelhinho infernal, colocando-nos a par das atrocidades cometidas lá do outro lado do mundo.

Mas se informa e se induz à preguiça (e se às vezes se torna uma arma a favor da pedofilia), a Internet tem múltiplos encantos, e vamos louvá-los aqui.

Ontem o neto de minha amada Elizeth Cardoso me enviou um imeio, indicando um vídeo do Paulinho da Viola. E eis que surge meu parceiro querido num raríssimo vídeo, onde o “Conjunto Rosa de Ouro” aparece com sua formação integral: Paulinho, Elton Medeiros, Nelson Sargento e os já falecidos Jair do Cavaquinho e Anescarzinho do Salgueiro.

Claro, faltou a legenda, a informação complementar. A única informação é a de que foi gravado em 1980.

Mas, juntando imagens de Clementina de Jesus e Aracy Cortes, teríamos uma pálida idéia daquele musical que, em 1965, junto com o espetáculo “Opinião”, provocou uma revolução estética na área dos musicais – sobretudo aqueles que, com parquíssimos recursos financeiros, trabalhavam à luz de meia dúzia de refletores e, muitas vezes, com vozes não microfonadas e teatrinhos desaparelhados.

Enfim, voltaremos ao assunto brevemente. Enquanto isso, curtam esse registro raro e precioso.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Os Carioquinhas - imagens raras

Meus amigos,

Eis aí imagens raras, inclusive as do conjunto Os Carioquinhas em início de carreira.

Quem me envia é Sergio Prata, cavaquinista, e tb diretor do Instituto Jacob do Bandolim.

Lamentavelmente, a ex TVE (agora TV Brasil) devolveu ao anonimato fitas recuperadas graças ao patrocínio da Petrobrás. E, entre elas, a da primeira apresentação d' Os Carioquinhas, ao lado de Tia Amélia do Jaboatão, no meu programa "Agua Viva" (1977).

Grande Sergio!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Entrevista no "Arte Petrobras", da MPB FM



Esta disponível a entrevista que Hermínio concedeu ao programa "Arte Petrobras", da MPB FM, na qual ele comenta o projeto Acervo HBC.

É só clicar AQUI para ouvir.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Áurea Martins e Hermínio no programa "Sr. Brasil", de Rolando Boldrin


Na próxima terça-feira, 1º de setembro, às 22h10, a cantora Áurea Martins e o compositor Hermínio Bello de Carvalho são os convidados especiais do programa "Sr. Brasil", comandado por Rolando Boldrin, na TV Cultura de São Paulo.

No repertório do programa, "Doce de coco" (Jacob do Bandolim/Hermínio Bello de Carvalho), "Estrada do sertão" (João Pernambuco/Hermínio Bello de Carvalho) e "Mas quem disse que eu te esqueço" (Dona Ivone Lara/Hermínio Bello de Carvalho).

Haverá uma reprise no domingo, 06 de setembro, às 10h.


Hermínio acompanhado dos músicos Edmilson Capelupi, Léo Rodrigues e Edson Alves

Fotos de Pierre Yves Refalo

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Documentário musical sobre Elizeth Cardoso

Em 2007, o programa "Mosaicos" (TV Cultura/SP) prestou homenagem a Elizeth Cardoso e promoveu o encontro de Hermínio com a cantora Leny Andrade e o pianista Amilton Godoy. O documentário musical, que ainda contou com as presenças de Roberta Sá, Virginia Rosa e Tatiana Parra, é esse:



Parte 2 - Parte 3 - Parte 4 - Parte final

domingo, 23 de agosto de 2009

Livro "Timoneiro" em versão gratuita



Uma versão do livro no formato PDF está disponível do Google Books. E de graça.

Basta clicar AQUI.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Jacob do Bandolim, há 40 anos



(Caricatura do artista Ulisses)

Eu sempre associei o dia 13 de agosto a uma sexta-feira, enfatizando a suposta maldição que vinha embutida naquela data.

Meu amigo Sergio Prata é quem me alertou para o equívoco: não era sexta, mas quarta-feira.

Jacob voltava da casa de Pixinguinha, seu e nosso Deus, e foi acometido de um infarto à porta de casa em Jacarepaguá.

Foi há 40 anos: 13 de agosto de 1969.

Não sei de outro músico que tenha deixado tão fortes digitais para um instrumento quanto Jacob Pick Bittencourt legou para as gerações que o sucederam.

Temia que, com sua morte, o culto ao choro desaparecesse. Estivesse vivo e fosse ao pátio Mário de Andrade aos sábados, na UniRio, teria a satisfação de encontrar cerca de 800 alunos que, na Escola Portátil de Música, cultivam aquele gênero musical – especialmente a obra legada por ele, Jacob, e também Pixinguinha, Anacleto, Radamés, Nazareth, Chiquinha Gonzaga e também novos autores que, a exemplo de Mauricio Carrilho, compõem choros belíssimos – e equivalentes ao “Doce de Coco”, “Benzinho”, “Noites Cariocas” – que são uma espécie de cartões-postais do nosso Jacob.

O grande músico era um adepto da indignação. Volta e meia argumentava num tom mais elevado, com seu texto brilhante e também com seu vozeirão inconfundível, qualquer assunto que contivesse uma inverdade ou imprecisão.

Há pouco tempo, o Rio de Janeiro, imitando São Paulo, inaugurou o evento (é-vento) “Viradão Carioca”, que mereceu um protesto coletivo do Instituto Jacob do Bandolim e do Instituto Casa do Choro/Escola Portátil de Música.

Enfim: aquelas instituições herdaram o poder de indignação que Jacob tão bem cultivava. Pedi ao Sergio Prata que me enviasse o texto. Vamos lá, transcrevendo-o:

O Choro e o Viradão Cultural

No recente Viradão Cultural, promovido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, causou estranheza a forma com que o primeiro e mais autêntico gênero musical carioca, o Choro, foi tratado.
Nos cerca de 300 eventos culturais, chamou atenção a ausência de nomes tradicionais do gênero, dentre eles: Altamiro Carrilho, Hamilton de Holanda, Zé da Velha, Joel Nascimento, Déo Rian, Paulo Moura, Época de Ouro, Galo Preto, Maurício Carrilho, Henrique Cazes, Água de Moringa, Luciana Rabelllo, Luiz Otavio Braga, Eduardo Neves, Silvério Pontes, Paulo Sergio Santos, Nó em Pingo d’Água e paramos aqui, pois a lista é extensa. Em suma, as apresentações de choro corresponderam a cerca de 1% dos eventos musicais, isso em pleno Rio de Janeiro.
Estamos falando da cidade onde esse gênero centenário nasceu, e partir daqui se tornou internacional, e que teve como diletos construtores: Irineu de Almeida, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, Chiquinha Gonzaga e Waldir Azevedo, ilustres cariocas, que, certamente, não aprovariam esse tratamento.
Esse lastimável equívoco se dá, paradoxalmente, num momento de grande atividade, com a consolidação de experiências vitoriosas no campo do ensino musical como as desenvolvidas pela Escola Portátil de Música, a Escola de Música da Rocinha e a Associação de Compositores da Baixada Fluminense, que, somados, receberam nos dois últimos anos, mais de mil e quinhentos jovens alunos interessados no aprendizado desse gênero.
Constantemente, músicos de choro se apresentam em palcos pelo país e no exterior, e os turistas que aqui chegam, vem com recomendação de conhecer o “...chorinho carioca...”.
O choro representa hoje uma rede social organizada, que tem lutado para preservar seus acervos e divulgá-los, com resultados expressivos, como atestam os trabalhos realizados pelo Instituto Jacob do Bandolim, que numa parceria com o Museu da Imagem e do Som, vem digitalizando o enorme acervo deixado por seu patrono, o que inclui 6.000 partituras e 400 horas de gravações, e pelo Instituto Casa do Choro, que promove o resgate de milhares de partituras dos pioneiros do Choro, no Séc. XIX, material disponibilizado a sociedade.
Enfim, se é louvável e merece elogios a iniciativa de se tentar dinamizar a cena musical por intermédio de um evento midiático, por outro lado, os gestores municipais devem ficar atentos para que, em função das pressões de mercado e patrocinadores, não se permita a redução do espaço que naturalmente pertence às manifestações culturais que contam com raízes sociais e que se mantêm em constante processo de crescimento e renovação, cujo principal exemplo é o Choro, que, por sinal, vai muito bem, sempre pujante e criativo.

Rio de Janeiro, 8 de junho de 2009

Instituto Casa do Choro / Instituto Jacob do Bandolim


Esse texto veio acoplado ao seguinte imeio:

Oi, Hermínio

Segue em anexo o texto sobre o Viradão, que foi assinado e divulgado pelo Instituto Jacob do Bandolim e pelo Instituto Casa do Choro / Escola Portátil de Música. (...) Hoje o Estadão publica uma matéria interessante falando da trajetória e da ausência do teu grande amigo, Jacob do Bandolim, e comentando o momento de grande atividade do instituto que leva o seu nome.

E diga-se de passagem que o IJB é filho da tua santa insistência em salvar aquele que é o maior acervo de choro já reunido, o Arquivo do Jacob, hoje em processo de recuperação na gestão de Rosa Maria Araujo, recuperação essa que teve seu início na gestão do querido maestro Edino Krieger.

Como vc. sabe, estamos desenvolvendo 3 projetos importantes:

a) Digitalização dos 200 rolos magnéticos gravados por Jacob em seus saraus e ensaios, com mais de 400 horas de gravação, que resultou numa coleção de 350 cds, que será entregue ao Museu da Imagem e do Som/RJ, para ser disponibilizado ao público em geral, acompanhado de um catálogo sobre o conteúdo, já identificado, de todo
esse material. Já concluído, em fase de entrega ao MIS.

b) Digitalização das 6.000 partituras - A partir do estabelecimento em 2009, de um Termo de Cooperação entre o Instituto Jacob do Bandolim e o MIS/RJ, foi iniciada em julho/09, a digitalização do acervo de 6.000 partituras do Arquivo do Jacob, no MIS/RJ. O material, após ser digitalizado, será disponibilizado ao público interessado: pesquisadores, músicos, estudantes, etc. - Em andamento. 60% já realizado.

c) Lançamento do Caderno de Partituras de Jacob do Bandolim, com toda a sua obra completa. Trata-se de publicação inédita. Já está concluída e em fase de produção, para lançamento. Reuniu uma equipe de especialistas no assunto: Pedro Aragão, Marcílio Lopes, Déo Rian, Sergio Prata, Maurício Carrilho, Paulo Aragão e Luiz Otávio Braga.

Aproveito e coloco a disposição os links para que seus blogueiros leiam a matéria no Estadão, e vejam Jacob no sitio do IJB.

Leia Jacob:
http://www.estadao.com.br/arteelazer/not_art418050,0.htm


Ouça Jacob:
http://www.estadao.com.br/interatividade/Multimidia/ShowAudios.action?destaque.idGuidSelect=7DEABB27A1DC4236A0EA15823A4809B8

bjs
Sergio Prata

E há mais ou menos 50 anos...

Lembro da notícia, sintética, estampada na coluna de discos do Silvio Tullio Cardoso: “Morreu Billie Holiday”. Nada mais. Imagino que o colunista, admirador fervorosíssimo de Lady Day, travou as teclas de sua Remington e foi encharcar-se de lágrimas num canto da redação de O Globo. Prisioneira de uma angústia abissal que a fez escrava do álcool e de outras drogas pesadas, a morte de Billie quase coincidia com a primeira vinda de Sarah Vaughan ao Brasil.

Quase nessa mesma época, Linda Baptista – e ainda não estava em vigor a Lei Seca – era advertida por dirigir embriagada. Uns 5 anos antes, morria Carmem Miranda. Lembro-a chegando, de surpresa, na “Cantina do César (de Alencar)” para abraçar a aniversariante Ângela Maria. “Posso lhe dar um beijo?”, e ela “Tasca dois!”. Tenho foto atestando.



Há uns 50 anos, Anilza já estava brilhando nos palcos, como vedete de teatros de revistas. Temia que seu desaparecimento, ocorrido há poucos dias, passasse em branco. O Artur Xexéo, pelo menos, fez uma bela crônica em homenagem àquela linda atriz/vedete, que foi minha coleguinha de classe na Escola 3-3 Deodoro, na década de 40. Tenho em meu álbum um retratinho dela, em uniforme escolar – e, em alguma parte, uma outra foto assinada por Halfeld ou Ávila, não me lembro bem.

Enfim, lembranças que levo aos meus queridos Alexandre Pavan e Luiz Ribeiro, ambos admiradores de Jacob do Bandolim – e responsáveis, com Luiz Boal, pela preservação e atualização de meu acervo. Criaram este apêndice luxuoso – e que me permite pensamentear essas coisas típicas de gente velha e que não tem muita coisa mais o que fazer senão... pensamentear.

P.S – Recomendo o disco “Ao Jacob, seus bandolins" (CD duplo) e o DVD com o mesmo título, ambos editados pela Biscoito Fino.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Áldima


Áurea Martins fotografada por Walter Firmo

Ex-Áldima: o grande ator Paulo Gracindo achou pouco sonoro o nome, e a batizou artisticamente como Áurea Martins quando, há 45 anos, ganhou o primeiro lugar na “Grande Chance”, programa famosíssimo na época, e que depois revelaria também Emilio Santiago.

Áurea Martins tem 69 anos de idade e acaba de receber o prêmio de melhor cantora do ano no Festival de Música Brasileira (ex-Tim) que agora é bancado (R$) pelo idealizador do projeto, José Mauricio Machline (ex-Prêmio Sharp).

Gostaria de dar mais detalhes da vida artística da cantora: procuro “Martins, Áurea” na Enciclopédia da Música Brasileira. Nenhum verbete.

Áurea Martins, entretanto, não é uma ex-cantora e nem está fora do mercado: graças à Olívia Hime, produzimos (Zé Maria Camiloto Rocha e eu) o disco “Até sangrar”, que lhe rendeu essa premiação.

Estranho, não? 45 anos de carreira e apenas 3 discos gravados.

A ex-Áldima batalhou durante anos e anos na noite, ao lado de Alcione, Djavan, Dafé e Emilio Santiago – num tempo em que, à saída do trabalho, a polícia interpelava Alcione, implicando com aquela caixa esquisita que, afinal, guardava o trompete com que também se defendia na batalha pelo chamado pão nosso de cada dia.

Quando o mercado de trabalho afunilou, pegou seu matulão e foi cantar numa ilha, contratada por um gringo que entendeu sua voz rouca e extensão generosa. E lá trabalhou durante alguns anos, e de quando em vez levando algum amigo. Johnny Alf, por exemplo – que chegou, nos tempos difíceis ¬– e que tempos difíceis aqueles! – a dividir apartamento com ela.

A ex-Áldima trabalha à frente da Orquestra Lunar, só de mulheres; também com o Terra Trio ou apenas o esplendido violão de Billinho. Aqui e ali podemos ouvi-la cantar aquele repertório que fazia a Divina Elizeth Cardoso sair de casa para aplaudi-la. Durante um bom tempo, dividiu com Zezé Gonzaga o repertório de Lupicinio Rodrigues num show maravilhoso que tinha apenas o piano de Zé-Maria Camiloto Rocha, também roteirista – e excelente – do espetáculo.

“Não veio?” – perguntou Fernanda Montenegro quando anunciou a ganhadora do Premio, lá no “Canecão”. “Veio sim!”, “não, não veio”, – e lá estava Áurea, num cantinho, bem Áldima. E ao levantar-se e até chegar-se ao palco, foi aplaudida freneticamente.

Lembro que, uma vez, estava na casa do mangueirense Zé Maria Monteiro, e lá estavam Jamelão e, num cantinho do apartamentão, a ex-Áldima. Uma moça tão expressiva quanto uma folha de alface desfilou duas ou três bossa-novas, e em seguida o Luis Carlos Vinhas chamou Áurea pra cantar. Jamelão me sussurrou: “Essa sabe das coisas”.

Há coisa de um mês fui ao lançamento de um livro organizado pela Prof. Gilda Mello e Souza, no Instituto Moreira Salles. A apresentação do livro foi feita pelo Prof. Antonio Candido, seu viúvo, que fez uma pequena palestra sobre o livro “Diálogo da vida inteira”, que reúne a correspondência trocada por Mário de Andrade e o fazendeiro Pio Lourenço Correia (Editora Ouro sobre Azul), tio-avô de Gilda, prima de Mário.

Levei comigo um ex-aluno da Oficina de Coisas, apresentei-o a Antonio Candido como meu mais recente parceiro. À saída, Vidal Assis comentou: “Reparou?”. Sim, eu havia reparado: ele era o espectador mais jovem na platéia e, também, o único negro.

Antonio Cândido explicou sua preferência sobre os personagens secundários, daí não centrar sua palestra em Mário de Andrade, mas em seu pai e no fazendeiro Pio, um excêntrico lingüista que falava quatro idiomas – e que foi o missivista mais presente na vida de Mário: trocaram cartas de 1917 a 1945, quando o autor de “Macunaíma” morreu. “Personagens secundários?” Logo pensei em Aldima, Clementina, tanta gente.

Quando fui assistir ao Recital Bibi Ferreira/Piaf levei comigo a ex-Áldima. Teatro lotado, apenas duas negras na platéia. Telefonei para a Prof. Lélia Coelho Frota, antropóloga e amiga querida, e contei o ocorrido. “O que isso quer dizer?”.

Ainda não sei dizer o que isso significa, mas a questão não deixa de ficar rondando meus pensamentos.

Lembro de alguns preconceitos vigentes na época em que trabalhei na ex-TVE (o ex está sempre presente em minha vida), hoje TV Brasil – que não disse ainda ao que veio. Um deles era sobre a faixa etária. Cartola, Nelson Cavaquinho, Clementina, Zé Kéti – que negaiada ... e véia, hein? parecia ouvir nos olhos censores, que além da cor também contabilizavam as rugas.

Nada ficava muito explícito naquela censura velada. Quando levei Áurea Martins para cantar no programa em homenagem ao Alcir Pires Vermelho (que faleceria pouco tempo depois), esse olhar preconceituoso não havia no andar de baixo, onde os câmeras e os operadores de som e luz eram, alguns deles, também negros. A estranheza vinha sempre do andar de cima. Talvez, quem sabe?, “sua imagem não seja muito televisiva”.

Não quero me alongar muito sobre isso, atento às observações repassadas por meu guru Alexandre Pavan: seja conciso. Mas não consigo me expressar em apenas 140 caracteres, como ordenam as regras do Twitter.

Compro um monte de revistas e jornais, semanalmente. Vejo bastante televisão, e as imbecilidades que são colocadas no ar.

“É uma das 3 maiores cantoras do Brasil!”, escreve Nei Lopes. Faltou informar isso aos editores dos segundos cadernos, a alguns críticos musicais e aos produtores de rádio e TV.

Se o Faustão (ex-Fausto Silva), se dispusesse ouvir ex-Áldima, talvez até se dispusesse a homenageá-la num daqueles quadros onde só entram protagonistas, raramente os personagens secundários de que fala Mestre Antonio Candido. Tenho a certeza que, num telão, ouviríamos o Emilio, a Alcione, o Francis Hime reverberando aquilo que sempre ouvimos de Elizeth Cardoso, Jamelão e Zezé Gonzaga.

E a ex-Áldima entraria em cena com aquela boina torta na cabeça, meio Betty Carter, meio que vindo da feira, sem lantejoulas ou badulaques coruscantes – a bordo apenas de seu talento, de sua voz poderosa, espargindo a magia própria das deusas, deusa ebanácea que às vezes chega cuspindo marimbondos e sacudindo as argolas até nos jogar em sua arena, onde se deixa arder entre canções.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Twitter, Saramago e twist


Durante alguns poucos minutos pensei que era erro de grafia: twist, twitter. Nunca tive aptidão para aquela dança, e agora descubro que preciso, ainda mais, entender os mecanismos da Internet. Quem não tiver um blog, um twitter ou qualquer novidade que o mercado certamente lançará ainda nas próximas 12 horas, definitivamente dançou – isso eu cá confidenciei com meus botões que, obedientes, concordaram.

Tenho um amigo querido que me aconselhou os rumos da concisão: escrever menos, períodos mais curtos. Tornar a escritura mais dinâmica, e a leitura mais palatável e de rápida assimilação. Sobretudo se você tem que alimentar um blog.

Me consola a entrevista com José Saramago, “A internet não veio para salvar o mundo”. O escritor mantém um blog, mas observa, entretanto, que continua “a utilizar frases longas, da que dão espaço e tempo para observações e análises” que julga necessárias. E quanto ao twitter, não cogita cair na tentação: “os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”.

E é esse grunhido que me apavora.

Vejo que irei tomar outro rumo nessa conversa, me reportando a uma das regras básicas do mercado musical: adaptar-se ao modelo que a indústria esteja impondo no momento, desbastando aquilo que possa complicar ou empacar a venda do produto. Sim, produto: remédio, armas, drogas, música. Ordinarizar (esse verbo existe?) o produto, para torná-lo mais rapidamente consumível e de mais fácil reposição nas prateleiras do supermercado: temos aí o crack como bom exemplo. Mais barato que a cocaína e a maconha. Aprisiona mais rapidamente o consumidor e ainda oferece a contrapartida de um desfecho letal a médio ou curto prazo, com reposição garantida de consumo e estoques. Essa é a regra do mercado, induzir ao grunhido primal.

Desde que me enfiaram na cabeça a idéia de ter um sítio (desculpem: site. Leia-se: saite) – fiquei com aquela cara de imbecil, ou seja, a mesma que me acompanha desde criança. Porque eu via a Internet como coisa do demônio. Depois que passei a me familiarizar com a engenhoca, percebi que o tal Inferno de Dante era ali, moradia do cramulhão. Peguei meu tridente e nos atiramos à fogueira.

E assim, antes de acender (desculpem: abrir, ligar, conectar, sei lá) o computador, faço o sinal da cruz, invoco meus orixás – e às vezes consigo adentrar no território minado. Discordo de Saramago: acho que a Internet chegou para melhorar o mundo. Ou, pelo menos, com essa intenção. O problema é que atrás da máquina existe o homem, a pior invenção de Deus (e há quem pense justamente o oposto). Mas é aí que acredito na diversidade humana, monitorada apenas por imbecilizadores profissionais, realmente a Internet seria um desastre. Vê-se que não é só assim.

Mas comparo a Internet às chamadas televisões culturais ou educativas e, consequentemente, a todo e qualquer instrumento midiático. Sonhar como sonhavam Roquette Pinto ou Anísio Teixeira, Paulo Freire e Mário de Andrade, Rodrigo de Melo Franco e Villa-Lobos, Nilse da Silveira e Aloísio Magalhães e alguns outros pode parecer uma utopia. Mesmo sem terem chegado aos tempos cibernéticos, as ferramentas utilizadas por aqueles educadores poderiam perfeitamente ser adaptados às novas linguagens tecnológicas.

De alguma forma, até onde puderam alcançar (o rádio e o cinema, mais especificamente), deixaram diretrizes muito fortes, que são o esteio de tantos projetos e programas que, de alguma maneira, engatinham mais como forma de entretenimento do que educação propriamente dita. Entretenimento é uma coisa, cultura é outra, observou no outro dia o Amir Haddad. Mas aí haveria que se implantar uma política cultural que atendesse a toda essa gama de culturas que, sobretudo no Brasil, nem sempre conseguem se tocar.

Antes que sejamos contaminados pelos grunhidos a que se refere Saramago, os Ministérios da Cultura e Educação, e as Secretarias que executam políticas de inserção dos jovens no mundo da Internet têm a obrigação de discutir como utilizar todo esse instrumental, toda essa gama maravilhosa de ferramentas que poderia fazer com que a Internet, sem querer salvar o mundo, pudesse ao menos melhorá-lo.

O e-book (ou o que isso lá signifique)

Vejo como uma das penúltimas novidades da tecnologia internáutica, o surgimento de um e-livro (ou coisa parecida): uma engenhoca portátil, em cuja tela você vai lendo seus clássicos favoritos.

Ou seja, esse seria o futuro do livro impresso. E, depois, dos jornais impressos. Sabendo-se quantas árvores precisam ser abatidas para produzir um livro ou editar diariamente milhões de jornais, nada mais ecologicamente correto. Ou não?

Num desses “clássicos de bolso”, razoáveis de serem lidos durante uma viagem de ônibus a São Paulo (temo tudo o que voa: aviões, gafanhotos, borboletas, helicópteros e afins) – eis que descubro que esse reducionismo, se entrarmos no universo de Cervantes ou Guimarães Rosa, não importa, é muito discutível.

“É um hábito, e hábitos se mudam” – vaticina meu amigo Alexandre Pavan, pesquisador da pesada. Até concordo, em parte. Hoje quase não existe mais a prática da epistolografia como a conhecíamos: e vamos ficar apenas no exemplo de Mário de Andrade. O computador é um instrumento facilitador da comunicação instantânea, assim como deve ser o tal twitter.

Mas como garantir a perpetuidade do que ali foi escrito? Como preservar para as futuras gerações a troca de correspondência entre alguns luminares que ainda se apóiam na palavra escrita à forma antiga: escrever à mão ou à maquina, garantir a autenticidade do escrito com uma assinatura, endereçar num envelope caprichado, pedir que ao invés do carimbo o rapaz dos Correios coloque um selo – e aí, dessa forma, vejo como se exerce amplamente a arte da epistolografia.

Claro, posso pegar esse texto, imprimi-lo, depois postá-lo – e aguardar que o destinatário faça o mesmo, devolvendo com a antiga elegância os pensamentos e reflexões ali perpetuados.

Exclamarão, “Saudosista!”. E me apoiarei no acervo de Augusto Boal, recém falecido, com 50 mil itens e que foi doado pela família do dramaturgo e diretor à UniRio. Muito de raspão, tento lembrar que um mero recado na secretária eletrônica do autor era motivo de preocupação do Boal. Como preservar o recado gravado por voz tão importante da cultura?

Isso me fez lembrar que, jovem ainda, deixei no hotel onde Igor Stravinski se hospedava, um questionário sobre música. Ele, no próprio envelope onde eu colocara livros e discos, devolveu aquela trecalhada explicando qualquer coisa que agora não me recordo, mas que você encontrará no meu sítio, site ou saite – como queiram. Lembro da emoção em receber, mesmo sob imenso sentimento de frustração, aquele autógrafo precioso e indesmentível. Se eu contasse essa história sem a contraprova, estaria ferrado. As palavras fazem história. E a caligrafia de um Stravinski, essa hoje posso eternizá-la e, o que é melhor, fazê-la circular através da Internet. Vê-se, pois, que em mãos inteligentes e não emburrecedoras, a tese do grande Saramargo é, em parte, bastante discutível.

E voltando ao e-book, quero dizer que tenho um especial fascínio por livros de arte. Sobretudo aquelas maçudos, bem escritos e ilustrados, iconografia farta. Quando entro numa livraria e me dirijo ao nicho onde eles estão, confesso que não consigo imaginar as pinturas de Bosch, Chagall ou de meu amado Modigliani transferidos para uma outra mídia que você irá apreciar numa reduzida tela de um notebook – ou e-book.

Já ouço a contestação, “o homem encontrará uma forma de compatibilização entre a Internet e o papel impresso que, por sua vez, reproduzirá até com fidelidade a obra de arte pendurada num desses museus fantásticos que existem por aí!” (e por aqui também, façamos justiça).

Sei não, mas acho que a releitura da “Pedagogia da autonomia” (saberes necessários à prática educativa), de Paulo Freire, me subsidiará nessa crença que guardo pela cultura, qualquer ela, que só vejo exercida na prática quando a colocarem em rotatividade, dentro de um eixo giratório, através de uma ciranda circular.

Quando os experimentalistas inventaram o cinema ainda mudo e em preto e branco, logo perguntaram, e o som? E as cores? E a tridimensionalidade?

A crítica que hoje posso fazer à Internet é que ela espalha, muitas das vezes inconsequentemente, o fato-notícia sem legendá-la com clareza.

E ai, sim, eu a vejo como uma máquina de grunhidos reducionistas, esses que tanto assustam o grande Saramago.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Saudades da Zezé




(CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIÁ-LA)

Zezé Gonzaga (1926-2008), mestra do canto brasileiro, nos deixou em 24 de julho de 2008.

Recebeu, em vida, a notícia de que a ela fora concedido o título (acima) de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Foi a primeira cantora brasileira a receber esse título, por inciativa do Prof. Luiz Otávio Braga. Bastante debilitada pela saúde, faleceu dias antes da cerimonia de entrega.

Há duas semenas, seu disco "Entre Cordas" concorreu, sem vencer, à categoria de Projetos Especiais do Recente Festival (ex-Tim) de Música Brasileira. É seu legado artistico, ela entrelaçada às cordas do Quarteto Maogani, Mauricio Carrilho, Baden Powell, Hamilton de Hollanda, Luiz Otavio Braga, Cristina Braga, João Lyra e outros.

Num especial gravado para a TVE, Radamés Gnattali aponta Zezé Gonzzga como sua cantora favorita.

No dia 24, Zezé Gonzaga ganhará alguns canteiros de flores ("Lírios da paz") na rua onde existe o Edificio Pixinguinha.
Sem discursos nem velas. Apenas com uma imensa saudade. Afinal, Zezé Gonzaga é um bem ecológico.

***



Os poemas a seguir integram o livro "A voz e o tempo" (edição particular), dedicado a Zezé Gonzaga e publicado em 3 de setembro de 2007 (aniversário da cantora), numa tiragem limitadíssima de 3 exemplares ilustrada por Luiz Pessanha.

A VOZ E O TEMPO*

O tempo não fala
mas roi em silêncio
as emoções;
com arte disfarça
e grava sua marca
nos corações.
Em seus labirintos
existem gradís
se ocultam prisões;
que ele, esse tempo,
ao tempo escancare
a luz que habita
os seus porões.
Ao vento eu empresto
a voz que me deram:
que o tempo a carregue
de muitas canções.

(*) Este poema recebeu música de Maurício Carrilho.

BADERNA DA GLÓRIA

Faz tempo, esse batizado!
Garanto não ser chalaça :
no cálice bento a cachaça
fez a vez de água benta;
Já caí em tentação
No primeiro sacramento :
a roupinha de pagão
virou emplastro e unguento
de mirra, mijo e marafo.
E como se fosse um Te-Deum
cantaram um samba na igreja
Era Ataulfo ou Noel?
(A gente sentia no bafo
a força da patuléia
quando após o Santo Ofício
foi-se aos pastéis com cerveja
cantando Saudades da Amélia)

Alguns anos depois
eu, aquele menino,
numa taberna de glórias
entre pastéis, empadinhas
Eis que ouvi um Benguelê.
(Eram grilhões e senzalas
De uma África inteira
Que em renda e alfazema
Se corporizava ali :
corimas e caxambús
e cantos de pastorinhas
e jongos, lundús, ladainhas ).
E disso guardei memória :
Do seu Outeiro desceu
em Glorias, clemente Senhora
cantando um Agnus Dei.
Num silêncio de oratório
fez então seu ofertório :
Meus olhos verdes benzeu.
E formou-se a procissão :
Eram anjos e coroinhas
jongueiros, porta-bandeiras,
passistas e mestres-salas
também negros e pastores
mulatos, ateus e carolas
mães-de-santo, judeus,
formando blocos e ranchos
e escolas com mais de mil alas
a mais fina flor da ralé
e, no andor, Mãe Quelé.

Quanto de amor e doçura
Deu-me aquela criatura
Quando seu canto espargiu.
Naquela baderna, na Glória,
Outra voz tão linda assim
nem Deus eu acho que ouviu! )


O HOMEM É MAIS O QUE PENSA

O homem é mais o que pensa
Do que ele deixa lavrado.
A palavra é feito um seixo
Que rola pelo riacho;
E vai desaguar noutras águas
Se perdendo a identidade.
Não é feito o pensamento
Que vive nem aprisionado :
E no que se enclausura
Mais nos eixos fica enfeixado.
É feito um trem posto nos trilhos
Mas que se vê sem os freios :
O homem, e o que ele pensa
É bem mais que pensamento :
É a curva desembestando
À frente da locomotiva :
É o freio que, não parando,
Logo o trem desencarrilha.
O pensamento é viúvo
Que nunca esposou de fato :
Vive dele com ele mesmo
Sem dar-se conta do exato.
Os aneis pensos no dedo
Lembra a sua viuvez :
Na outra mão, a solteira,
Vive a sua sordidez.
Com ela futuca os buracos
Dos corpos da vizinhança
E faz com os dedos a festa
E promove a sua lambança.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dia do Amigo

Sei lá, recebi tão comovedoras mensagens pela data de hoje (que ignorava ser “Dia do amigo”), que me senti na terna obrigação de colocar no Blog do Acervo HBC os versos que fiz para um lindo choro de meu queridíssimo Capiba. Essa música foi inicialmente gravada por Zé Renato e Lenine, e posteriormente por Simone e Zélia Duncan, e dedico-a a vocês :


AMIGO É CASA
Capiba/Herminio Bello de Carvalho

I
Amigo é feito casa que se faz aos poucos
e com paciência pra durar pra sempre.
Mas é preciso ter muito tijolo e terra
preparar rebôco, construir tramelas.
Usar a sapiência de um joão de barro
que constroi com arte a sua residência
a que o alicerce seja muito resistente
que às chuvas e aos ventos possa então a proteger

II
E há que fincar muito jequitibá
e vigas de jatobá
e adubar o jardim e plantar muita flor
toiceiras de resedás
não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar
que os cabelos brancos vão surgindo
Que nem mato na roceira que mal dá pra capinar
e há que ver os pés de manacá
cheinhos de sabiás
sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis
choro de imaginar !
prá festa da cumieira não faltem os violões !
muito milho ardendo na fogueira
e quentão farto em jenjibre aquecendo os corações

I
A casa é amizade construida aos poucos
e que a gente quer com beira e tribeira
Com gelosia feita de matéria rara
e altas platibandas, com portão bem largo
que é pra se entrar sorrindo nas horas incertas
sem fazer alarde, sem causar transtorno
Amigo que é amigo quando quer estar presente
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber .

III
Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar, se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
Amigo a gente acolhe e recolhe e agasalha e oferece lugar pra dormir e comer
Amigo que é amigo não puxa tapete oferece prá gente o melhor que tem e o que nem tem
quando não tem, finge que tem, faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.

...

Conforme anotação de 20/06/2004, explico que homenageio Herivelto Martins, Cartola e Lamartine nesses versos. Veja os grifos em itálico.

Mudando de conversa: ontem recebi um telefonema de Vitória Bonaiutti. Mesmo para os que não viveram a chamada época de ouro da Rádio Nacional, hão de saber da existência dos mitos Emilinha Borba e Marlene. Marlene: Vitória Bonaiutti.

Devo muito de minha vida artística àquela que ganhou o título de “É a maior”. E também a Linda Batista, “Rainha do Rádio” durante 11 eleições seguidas (e me corrija, Sergio Cabral, se eu estiver errado).

Na década de 50, estrelíssimas, prestaram atenção num reporterzinho mal ajambrado que, aos 16 anos, já tinha uma coluna em revista, a “Rádio-entrevista”.

O telefonema de minha querida Marlene, amiga de todas as horas, me fez percorrer os corredores da Rádio Nacional.

E, de repente, abrindo meu imeio, descubro que no YouTube existe uma imagem belíssima dessa fenomenal intérprete cantando Gonzaguinha, querido Gonzaguinha. E com a indicação de que há um outro vídeo disponível, de Linda cantando “Vingança”.

Sei lá, me dei conta de que minha vida é feita desses recortes: Linda, Marlene, Dalva, Herivelto, Lamartine, Capiba – tanta gente!

Divirtam-se, pois, com uma fantástica atuação de Marlene, que recém havia feito o “Te pego pela palavra” e o “É a maior” (esse último, parceria minha com Fauzi Arap). E rever Linda Batista em meu programa na TVE, é uma dádiva dos deuses.

Inté!

Hermínio Bello de Carvalho

terça-feira, 30 de junho de 2009

Fotos do evento "Herminices", no Sesc Paulista

Clique nas imagens para ampliá-las


Ao lado de HBC, da esquerda para direita, Áurea Martins, Alaíde Costa e Ângela Evans.


HBC com Alaíde Costa


Ângela Evans e Denize Rodrigues


Alexandre Pavan e Luiz Ribeiro, no bate-papo com HBC.



Alaíde Costa e Áurea Martins


Giana Viscardi, Luiz Ribeiro e HBC gravam entrevista para o programa Metrópolis (TV Cultura), no Bar Genial.


Áurea Martins

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Hermínio em São Paulo, de 24 a 26 de junho


(clique na imagem para ampliá-la)

"Herminices" é o nome do projeto que a produtora Guete Oliveira criou para o Sesc Paulista e que trará Hermínio para São Paulo nesse mês.

No dia 24, haverá um bate-papo com o poeta, conduzido por mim e com as participações do compositor Luiz Ribeiro e da platéia.

Nos dias 25 e 26, espetáculos musicais com Hermínio dividindo o palco com as cantoras Áurea Martins e Angela Evans. Cada show com uma participação musical: dia 25, Alaíde Costa; dia 26, Giana Viscardi.

O Sesc Paulista fica na Avenida Paulista, 119, próximo ao Metrô Brigadeiro.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

As cartas de Hermínio e Drummond



CLIQUE NAS IMAGENS PARA AMPLIÁ-LAS


Em breve, será lançado o livro que reúne a correspondência de Hermínio e Carlos Drummond de Andrade. O volume – editado pela Imprensa Oficial, de São Paulo – trará uma seleção de crônicas de HBC inspirada nas cartas, bilhetes e poemas trocados com o poeta mineiro ao longo de mais de 30 anos. O texto final do livro foi concluído no último final de semana. Tirei essas fotos no escritório de Hermínio, durante o trabalho.



domingo, 15 de fevereiro de 2009

Balada para Marilyn Monroe



Teu cabelo
parece que o sinto dourando minha mão.
E o teu som
(cada pessoa tem um som peculiar)
parece engastado no quadro na madeira na chave no rótulo.

Mais uma vez chegamos todos tarde :
tua mão sobre o telefone não nos alcançou;
e, no entanto, viriamos todos : o guarda civil
o lixeiro o escriturário o poeta o bancário
o proxeneta o homem-bala do circo e o corcunda quase cego
viríamos todos, absolutamente todos
e diriamos não faça isso que bicho papão não gosta de menina travessa.
Aliás, sempre chegamos tarde.
Existe um relógio sintomaticamente atrazado
regendo aquilo que seria o tal gesto salvador.
Tua mão sobre o telefone
seria a chamada geral para o socorro.

Não queria te fazer triste, norma jean baker,
mas hoje fizeste muita gente chorar :
logo tu, a quem inventaram para ser o exato sorriso
o exato encantamento a exatíssima ternura
logo tu que desnudaram tantas vezes para nossos olhos
e a quem logo cobriamos com a túnica do nosso deslumbramento.
E chorou-se.
Alguns, menos encabulados, em plena rua;
outros, para dentro (há gente que não sabe chorar direito).
Eu, por exemplo, chorei por fora e para dentro.
Ai! que doeu-me ver-se partir o vidro de tua vida
um frasco
reparem
um frasco ultramultiplicado e divididido
meticulosamente
cada fração
por toda a humanidade
que não te escrevia cartas, mas te amava
que não te conhecia a presença, e te amava
que não te dizia que te amava, mas ainda assim te amava.

Repara, não sei (e suponho mesmo que ninguem saberá)
a vida : biombo fincado duramente na laje
retalhando e colocando em postas o que foi e o que seria.
Mas, ainda assim, repara : o fato que se constata
é este : não estás.
Pior ainda : não quizeste ficar.
Ora, tudo isso é muito triste.
Entendes, percebes que te amávamos? dirás que não sabias.
Mas a pessoa a quem se ama nem sempre se tem por perto.
o jornal
o biombo
o jardim
a mesa
o esquadro
o piano
o prato o binóculo
são elementos.
Pessoas são feitas de e por e para
e habitam às vezes à uma distância de um milimetro
e esse milimetro às vezes é todo o oceano pacífico.
Não sabias, vês?
Mas sempre estivemos por perto, em vigilia.
Te policiavamos sutilmente e, no entanto,
não ouviste a (desculpe a tola e vulgar expressão) palavra doce
aquela que esplode na cara da gente quando o coração está arrebentando
e quando nenhum barbitúrico resolveria a insonia
e ainda quando nenhum corrosivo poderia dissolver ou apagar
uma coisa que na verdade não te faltava (e não suspeitavas) :
o grande amor que te ofertávamos, braços estendidos, palavras espamagadas pelo vento
pastel de queijo algodão doce toalha de fuxico
vês?
é tudo isso que doi :não termos tido vozes tão altas
nem pressentimentos tão fortes
que te pudessemos berrar :marylin, nascida norma jean baker
não faça isso, largue esse vidro, agasalhe-se de qualquer maneira,
pegue um avião, venha ouvir
o grande coro do pequeno mundo do proletariado te amando
Ah! menininha, não tiveste paciência para esperar.
A humanidade, compreende? reteve esse carinho na esperança de um dia ofertá-lo a você
embrulhado em papel ordinário e barbante grosseiro,
porém o carinho mais dadivoso :
asa de borboleta
espada de são jorge
boneca de palha
figa de prata
doce de côco feito por dona yayá da ladeira.

Namoradinha :
em vez do portão, a tela cinemascope.
Pagávemos para te ver, mas não tinhas culpa
E provavelmente deawjarias que todos os pobres do mundo tivessem acesso ao teu sorriso
e que para te namorar não pecisassem pagar entrada no cinema do bairro.
Namoradinha :
entravamos sozinhos no cinema e eras tão boa que depois sempre vinhas com a gente.
(Um dia, lembro-me agora, me surpreendi comprando
dois saquinhos de pipoca, e estava fisicamente sozinho).

Agora, justo agora,
não queriamos te deixar sozinha.
Mas justo agora, me pergunto se deveria ir ver-te e levar-te a tardia flor de papel crepon
o saquinho de pipoca o laço de fita de gorgurão acetinado
beijar-te o rosto e dizerte-as coisas lindas e ...
essas manchetes de jornais
esse nojento reporter esso gritando que tinhas a mão no telefone
que anda tentaste nos procuirar, vai ver me procuraste
a mim herminiobellodecarvalho
para pegar-te a mão e levar-te ao jardim e comprar marshmellow
entrar em cineminha vagabundo com provavelmente fita de carlitos.
não discutir kafka nem prevert nem kandinski nem truffaut nem concret music
mas a tua infância, o samba de Ismael que conta do Antonico,
as marotagens do orfanato onde te enclausuraram,
levar-te àquela curva amorosa do jardim do mam
coisas que te fariam repisar o chão, constatar a terra com os pés
surpresamente desnudos.
Bobinha, bobinha :
não soubeste esperar pelos namoradinhos que haviam marcado
um lírico encontro de esquina, buquezinho de mal-me-quer na mão
palavra ingênua suspensa na boca
e gestos bem puros, atitudes bem burguesas
chocolate com bolacha maria em barzinho de mesa de pinho e toalha esburacada
num suburbio qualquer da Leopoldina.
Namoradinhos brasileiros
javaneses
italianos
turcos
indús
ingleses
portuguêses
serias o grande afago, a desesperada alegria
e nos dariamos todos a ti
proletariamente confudidos no puro amor (e não sabias).

O que faremos agora desse carinho interrompido? Com esse amor retido inutilmente?
(o teu caminho não tem atalhos
onde pudessemos te surpreender com a nossa inquieta presença)



Balada para norma jean baker, morta por barbitúricos, assassinada pela solidão
ap
1962

(Vide antologia "Embornal", Editora Martins Fontes)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Duas cabeças brancas e encaracoladas

O texto que vai abaixo eu o havia destinado ao Conselho Estadual de Cultura, mas também para atender à exigência de manutenção do Acervo HBC.

O grande perigo é que hoje, dia 02 de fevereiro (“dia de festa no mar”, segundo Caymmi, “pra saudar Yemanjá”) o meu balaio já está transbordando de novidades. Exemplos: convite para ser “hóspede”, no mês de março, do Centro de Referência de Música Carioca – carinhosa homenagem formulada por Mario Sève, que dirige a casa; e que passei a integrar, com Sérgio Cabral e Jairo Severiano, e na condição de Consultores Masters, a comissão que vai propor uma formulação de políticas para a nova sede do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em Copacabana. A indicação foi de Hugo Sukman, da Fundação Roberto Marinho. O Museu, como se sabe, é presidido por Rosa Maria Araujo, que tem Ana de Hollanda como vice. Vamos deixar esses assuntos pra depois?

Vamos, pois, ao texto destinado ao Conselho de Cultura:

São duas cabeças de penugens brancas e encaracoladas, com sonhos e utopias em consonância há mais de 40 anos. Esse par de jarras setentonas, com superfície craquelada e rugosa, tem, em comum, um enormíssimo amor pela Cidade do Rio de Janeiro, cujo Conselho estadual de Cultura integram com alguma bizarrice – já que às vezes falam pelos cotovelos, fazendo uma algaravia que seria mais adequada num parque de diversões, e primam às vezes pela aparente falta de objetividade. É claro que estou falando de mim e de meu querido Ziraldo, ele impecável nos seus coletes menos estilosos do que os do Ministro do Meio-Ambiente, eu em desarmonia total nesse quesito elegância. Volta e meia outro companheiro querido, Cacá Diegues, nos coloca a pecha de reclamões incapazes de ver coisas boas em sua volta. Somos, talvez, o oposto da antropóloga Lélia Coelho Frota que, por sinal, apresentou um magnífico texto, exaltando as boas coisas que, felizmente, ainda acontecem na área cultural. Interpretei, a princípio, como uma contestação ao quase manifesto, queixoso e contundente, trazido por Ziraldo para o nosso Conselho. A leitura do texto de Lélia desconstrói minha precipitada interpretação.

Meu querido cartunista se ressente de um plano de cultura de âmbito nacional, igual àquele que existia quando presidiu a Funarte – e pede meu testemunho e o do Maestro Edino Krieger. Somos remanescentes daquela instituição, que jorrava programas e projetos culturais que ganhavam ressonância de extremo a outro do país – sem dirigismos, respeitando as diversidades regionais, fazendo uma política de integração e, sobretudo, de circulação dos bens culturais. Mas, que paradoxo! a Funarte nascia na mesma época que sinalizava a agonia da ditadura instalada em 1964, processo que o assassinato de Vladimir Herzog fizera acelerar.

“Podíamos propor uma Ouvidoria à Secretária de Cultura Estadual Adriana Rattes”, sugere Ziraldo – já que somos apenas um conselho meramente opinativo, sem poder decisório. E volto para minha casa pensando como agiria um Ouvidor, indivíduo que, vivendo dentro do sistema, tem como ofício coletar críticas e sugestões do contribuinte e levá-las ao poder maior, cobrando-lhe soluções e providências.

Sem querer atirar um balde de água fria em teu manifesto, meu Ziraldo, aconselho: não inventemos a roda. O que estamos fartos de saber é que só um sistema harmônico, funcionando sem as habituais mazelas da política mais rastaquera, pode resolver a situação.

Vamos, por enquanto, ficar na região mais rica de monumentos patrimoniais, que é o Centro da cidade – primeiro objeto de nossa preocupação. Estão ali o Palácio da Cultura, a Escola Nacional de Belas Artes, o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o Museu de Arte Moderna, a Sala Cecília Meirelles e um raro conjunto de prédios centenários (como o Paço Imperial) e outros, mais recentes (como é o caso do CCBB) , convertidos em espaços culturais – como poderia ser o magnífico auditório da agora centenária ABI (Associação Brasileira de Imprensa), o melhor em acústica do Rio de Janeiro. Sim, existe ainda a Escola Nacional de Música, com sua original parede cega que hospeda um painel monumental – e aquela fieira de cinemas desativados.

Nosso querido Albino Pinheiro disse que tínhamos que olhar o centro da cidade – e citava especificamente a Cinelândia como um grande lago, onde se atira uma pedra, e ela vai provocando círculos concêntricos que alcançam os Arcos da Lapa até as Praças Tiradentes e a 15 de Novembro e, queira ou não, a Praça da República. As periferias do Centro da Cidade foram anavalhadas pelo progresso, mas podemos ver um bom exemplo na recuperação da Rua Lavradio e, opostamente, a extinção da Cinelândia como pólo irradiador das artes cinematográficas. E, abençoando o fim (ou o início) do centro da cidade, a Baía de Guanabara e seu monumental aterro, com o Pão de Açúcar de um lado e o Cristo Redentor do outro, formando uma das mais belas paisagens deste planeta. Sim, faltou citar o MAM e outros museus espalhados por ali.

Acontece que esse universo não tem apenas um comando, mas obedece a vários segmentos do poder: o federal, o estadual, o municipal – e quase todos amparados por um leque de burocracias infernais.

E é aí, companheiro, que vamos cair no mar das obviedades: estamos carequíssimos de saber que nossa cidade, ou qualquer cidade do mundo, só terá jeito se a gente conseguir unir esses poderes, aconselhando-os a agir integradamente, acima das vaidades e dos objetivos pessoais de cada um. Caso contrário, toda a beleza arquitetônica do Centro da Cidade deixa de ter existência ao anoitecer. É quando a cidade fica mal policiada e às escuras, sujeita a todos tipo de vandalismo – inclusive a dos pichadores com suas assinaturas caricaturais, que não podem e nem devem ser confundidos com alguns poucos e talentosos grafiteiros que fazem os muros da cidade dialogar com a população.

Antes de ontem, dia de São Sebastião, saí para uma ronda noturna pela velha Lapa, depois de celebrar o noventenário do Cordão da Bola Preta, que acaba de ganhar uma nova sede – e na Lavradio. Minha querida Lapa, onde há pouco assassinaram um jovem, numa seqüência de agressões que o noticiário nos dá conta com fartura, estava às moscas. E suja, como sempre. Fui para embasar as sugestões que faço adiante.

Nossa intenção é colaborar com a secretaria de Cultura, certo? Vamos, pois, girar a roda, mas sem a pretensão de a estarmos inventando:

– Ordenar o centro da cidade através de uma iluminação decente, que dê relevo a esses bens patrimoniais físicos. Passe ali pelo Jardim da Glória à noite, que está com uma nova e exuberante iluminação. Mas a praça ao lado está às escuras, porque os moradores de rua quebraram quase todas as velhas luminárias, deixando o lugar como espaço ideal para que possam praticar seus furtos, fumar crack e dormir à beira do monumento. Aí teria que haver uma ação integrada entre a Light e as forças de vigilância e a secretaria que cuida dos parques e jardins;

– Os serviços maravilhosos da Comlurb deveriam ser convocados para dar uma geral nessa cidade pichada e mal-cheirosa, com policiamento rotativo;

– Todo o entorno dos prédios monumentais já citados, todos eles plantados à beira da Cinelândia, deveria contar com viaturas específicas para uma ronda permanente, além das velhas duplas Cosme-e-Damião, numa ação conjugada entre o Departamento de Turismo e a Secretaria de Segurança. A Lapa (e os Arcos) ganhariam banheiros químicos e passariam por uma faxina geral, com ordenamento das desalinhadas calçadas de pedras portuguesas. Hoje elas exibem um pretume que vem das gorduras expelidas pelas carroças que atravancam as ruas, sem qualquer vigilância sanitária. Gradearam a Sala Cecília Meirelles, reação ao hotel a céu aberto dos desvalidos moradores de rua que ocuparam suas escadas-dormitório. E, ao lado, uma construção que tinha uma fachada monumental que valorizava o conjunto arquitetônico da Lapa, ameaça desabar;

– Todos esses serviços (luz, limpeza, ordenação urbana) deveriam permanentemente fazer parte da manutenção desses corredores culturais, num serviço rotativo (dia-e-noite) – e com sanções pesadas para os pichadores, que poluem o visual da cidade. (O SESC mantinha uma escola de jardinagem, destinada a jovens de rua, que depois seriam profissionalmente habilitados no cuidado dos jardins públicos. Onde estão esses serviços?).

Como vemos, meu Ziraldo, essa não é um ação que as Secretarias de Cultura possam levar adiante sozinhas.

A elas cabe, isso sim, fazer o que acabamos de constatar: a devolução do Teatro João Caetano aparelhado, o Municipal em breve abrindo suas portas.

E, a partir daí, cumpririam essas Secretarias sua função principal: tratar de uma política de ocupação desses espaços culturais (teatros, centros de cultura, lonas culturais), oferecendo programações alternativas com ingressos a baixo custo, como eram os projetos Pixinguinha e Seis e Meia (de Albino Pinheiro). Abrir esses espaços também aos sábados e domingos, permitindo à população ocupar o centro da cidade – porém limpa e iluminada e vigiada, devolvendo uma alegria que o carioca sempre teve para oferecer.

***

Nos restringimos a dar sugestões para Centro da cidade! E o resto do Rio de Janeiro, meu Ziraldo? Falamos apenas de um cantinho lindo do Rio de Janeiro, mas há todo um leque de atividades de bairros, expontâneas, que necessitam apenas do apoio dos serviços públicos, e não da interferência do Estado. Espero que, daqui a pouco, nossos blocos de rua não estejam, a exemplo da Bahia, comercializando esses crachás que atendem pelo nome de abadás, que garantem a segurança dos que conseguiram adquiri-los para desfilar atrás dos trios elétricos – um direito que, antes, era garantido ao povo, e a quem o Estado só deveria garantir livre e segura circulação.

Como se vê, meu Ziraldo, só falamos de coisas óbvias, de sugestões que já foram centenas de vezes repetidas, e milhares de vezes ignoradas. Quando a professora Lélia Coelho Frota citou o biólogo Mário Moscateli, imediatamente lembrei de uma ação, essa absolutamente anônima, de um ambientalista chamado Zé Luiz do Manguezal, que opera (sem recursos oficiais) na colônia Z-10 de Pescadores do Jequiá, e que replantou milhares de mudas de mangue sapateiro. Os manguezais, sabemos, são oxigenadores de nossas águas, viveiros de peixes e caranguejos. Como diz o Zé Luiz, são “supermercados e farmácias naturais”.

Concluindo: não inventamos nenhuma roda. Sugerimos obviedades. Tomara que os poderes (federais, estaduais e municipais) não façam ouvidos cegos e olhos mudos e se dêem as mãos. Coisa que, aliás, há muito tempo não faziam.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Ataulfo Alves e Sérgio Cabral

Ataulfo Alves

Meu querido Sergio Cabral tem agora seus dias ocupados com a biografia que está traçando de uma figura cheia de nobreza que atende pelo nome de Ataulfo Alves. Vamos ao e-mail que me mandou:

From: Sergio Cabral
To: Herminio Bello de Carvalho
Sent: Sunday, December 14, 2008 10:05 PM
Subject: Ataulfo

No seu acervo, constam três músicas da parceria com Ataulfo: “Armadilha”, “Desvivendo” e “É lixo só”. São graváveis? É claro que são. Beijos. Sérgio.


Tinha por hábito, quase uma regra, a de colocar em cadernos espiralados (e eram quatro) os rascunhos das músicas que compunha com meus parceiros. Isso não aconteceu, por exemplo, com a letra do choro “Noites Cariocas”, que compus após a morte de Jacob do Bandolim, autor da melodia. Não tirei cópia, entreguei o original pra você, e aí a Gal (Costa) manifestou a vontade de gravar um choro. Me procurou, a seu pedido, e fui obrigado a confessar que havia perdido a letra. Você, cuidadoso, a guardou e salvou a situação. Gal foi lá em casa, aprendeu o choro com o Luiz Otávio Braga – e o resto da história já se sabe.

Como se vê, esse arquivamento não era obedecido com regularidade. Tenho aqui diversas versões de duas letras para Ataulfo: uma chamada “Desapetece viver”, que numa das cópias aparece com o nome de “Armadilhas”, datada de 1966, e uma outra, “Desvivendo”, escrita em 06/dezembro/67. “É lixo só” não foi arquivado naqueles velhos cadernos, mas apenas no item “letras a retrabalhar”, que confusamente vou acumulando em meu computador. Era, originalmente, uma paródia que, sem querer, foi arrolada indevidamente (mea culpa, mea máxima culpa) como de parceria com Ataulfo. Na primeira versão, eu falava do meu cachorrinho Francisco Lano Bello de Carvalho, um Lhasa Apso que só mostrava simpatia por uma visitante de quem sempre buscava o colo: Aracy de Almeida.

Constato que ao fazer uma nova paródia, dessa vez abordando os problemas dos canteiros da rua onde moro, acabei apagando a primeira versão. “Armadilhas” foi gravado por Dona Inah no CD “Divino Samba Meu” (CPC-Umes, 2004). Cotejando os versos antigos com os que foram gravados (e que aliás não constam do saite), veremos que a letra definitiva ganhou novos rumos.

Quanto ao “Desvivendo’, acho que Ataulfo não se interessou pela versalhada ou não teve tempo de musicá-la. Pode ser que aconteça com esses versos o mesmo episódio ocorrido com o samba-canção “Camarim”, e que a Marilia T. Barbosa veio encontrar, musicada, após a morte de Cartola. A fita estava lá guardadinha. Ele não teve tempo de entregá-la a mim. Pode-se deduzir daí que não sou um guardião confiável de meus próprios trabalhos. Vamos ao outro e-mail (ainda tem hífen?)

From: Sergio Cabral
To: Herminio Bello de Carvalho
Sent: Sunday, December 14, 2008 12:27 AM
Subject: Consulta

Meu Hermínio,
procurei no seu acervo alguma referência sobre a troca de Ataulfo Alves pelos Cinco Crioulos no show Mudando de Conversa, e não achei. Você poderia me contar como foi isso? Se tiver mais alguma coisa para dizer sobre Ataulfo, pode dizer que eu agradeço. Beijos. Sérgio.


Vou direto ao “Timoneiro” (Ed. Casa da Palavra, 2006), meu perfil biográfico traçado por Alexandre Pavan. Tento fazer uma colagem dos estilhaços de lembranças que não tivessem chegado àquele livro – e elas se fragmentam. Quando e como conheci Ataulfo? Lembro-o em seu Cadillac (era conversível? Não me lembro. Seria espaventosamente amarelo como aquele, primeiro, que Bethânia possuía? Não posso afirmar). Como o meu acervo está em São Paulo e este saite continua em construção, é provável que muita coisa ainda venha a ser descoberta.

Lembro que ele tinha um apartamentinho (os maldosos diziam que era seu abatedouro), onde degustava alguma de suas “Pastilhas”. Ficava na esquina de Augusto Severo com a rua da Lapa, quase limítrofe ao bairro da Glória. Isso é fácil de não esquecer: o projeto do edifício, a parte que dava pra Lapa, tinha a assinatura do Oscar Niemeyer e umas persianas desaprumadas que criavam uma sinuosidade esquisita. Naquele mesmo prédio o casal Andrés Segóvia-Olga Praguer Coelho possuía igualmente um apartamento. Ali também adquiri um quarto-e-sala meio duplex, pequeníssimo. Mas aí já estamos em 1990, o prédio já em decadência.

Ah, sim! Lembro muitíssimo vagamente de um roteiro datilografado do “Leva meu samba”, que seria o nome do espetáculo que levaríamos pro Teatro Santa Rosa, do Leo Jusi. (Meus Deus, como é que esse nome veio parar aqui? Confira aí, meu Sergio, por favor!). Que Ataulfo esteve em meu apartamento na rua Benjamim Constant isso posso assegurar. Mas... e a foto comprobatória de sua presença? Posso estar confundindo com uma outra em que estão o Ciro Monteiro, a Nora Ney, Clementina e Dino 7 Cordas.

Que Ataulfo gravou a melodia do “Desapetece viver” (posterior e definitivamente intitulada “Armadilhas”) num gravador caseiro, isso é meio óbvio. Que essa fita foi pras cucuias não tenho dúvidas, mas posso também aventar a hipótese de que tenha parado nos arquivos de Jacob do Bandolim, usuário de minhas fitas. Ou não. O tempo dirá. Como já expliquei, este saite está em construção. Chegamos a ensaiar alguma coisa? Acho que não. Que Ataulfo me comunicou sua desistência por motivos de saúde, lembro bem. Que faleceria em 10 de abril de 1969 isso está no livro. Poderia falsear diálogos, até aspeá-los (que memória prodigiosa possuem certas pessoas!) ou inventar dados que jamais seriam refutados – não é o que se vê por aí? Assim como Elizeth, Ataulfo faz parte da trilha sonora de minha vida.

Mas quando e como fui apresentado a Ataulfo pessoalmente, esqueça. Você foi o primeiro a proclamar essa minha disritmia cronológica. E, e além do mais, por falta de vocação ou de noções de arquivologia, fui jogando tudo naquele cestão onde misturamos lascas de nossas memórias, apontamentos sobre um fato que para nós foi importante (e que pros outros não terá o menor significado), fotos com personagens desfocados de nossa lembrança – ah, meu Sérgio! que traiçoeiro é esse ato de catalogar aleatoriamente os fatos abagunçados de nossas (e outras) vidas.

Agora mesmo, meu Sergio, fui me socorrer de teus livros para sapecar outro exemplo de minha falta de memória: meu primeiro encontro com a Divina, que você foi descobrir e conta onde, quando e como se deu na biografia que procuro agora nas minhas estantes e não encontro. Devo tê-la emprestado para alguém não muito adepto a devoluções.

Quando a gente envelhece, é essa merda que se vê. Um beijo de teu admirador

Hermínio Bello de Carvalho

P.S. – Segue a letra definitiva do “Armadilhas”, com uma coda que agreguei recentemente. Cotejando com as que foram arquivadas nos tais cadernos, alguns poderão até perguntar: qual a relevância de colocar no saite aqueles esboços? Perguntem ao Chico Buarque, quando pedi que autografasse o original do “Chão de esmeraldas” que letrei e ele musicou. Deve ter achado uma sandice minha, e mudou de assunto. Em compensação, tenho na parede o original do “Piano na Mangueira”, autografado por ele e Tom Jobim – numa versão diferente daquela que foi gravada pelos dois. Podem procurar aí no saite.

ARMADILHAS
Ataulfo Alves/Hermínio Bello de Carvalho

Eu abri toda a casa pra te esperar
enfeitei as janelas do coração
quem mandou eu me arder nesse fogo assim?
Não valeu: quase nada sobrou de mim

iludir
é uma coisa que fazes bem
humilhar e trair fazes bem melhor
Há um porém: armadilhas não são fiéis
podem até te trair e engatar teus pés

Deixa estar
que das cinzas vou renascer
te ofuscar mais que o brilho do próprio sol
o amanhã quem dispõe ao seu modo é Deus
e só Deus sabe atar, desatar seus nós

Vai te impor um castigo atroz
(quem trair vai ficar a sós)

vais gritar de perder a voz
(e virar o seu próprio algoz)

flutuar numa dor feroz
feito a casca de uma noz

e se desenrolar, após,
fio a fio que nem retrós

pelo abismo de uma foz
sem ninguém segurar-lhe o cós

vai voar, vai sumir, veloz
pelos céus como um albatroz