quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A nova sede da Escola Portátil de Música


Que se noticie: a Escola Portátil de Música ganhou uma sede, na Rua da Carioca, Rio de Janeiro. Quase em frente ao centenário Bar Luiz, próximo do lindo cinema Ritz. Será  vizinha de um ex-cinema que ainda ostenta o esqueleto de uma engrenagem que movia o teto retrátil da esplendorosa sala, teto que era bastante utilizado na época do verão.

A Escola Portátil hoje abriga mais de 800 alunos que sabem tudo sobre Pixinguinha, Tom Jobim, Anacleto, Radamés Gnattali, Chiquinha Gonzaga, Guinga. Sabem e tocam. E depois de alunos, viram monitores – e aí então, passam a ser oficineiros. Uma parte deles está agora em Manguinhos, atuando num projeto social. Acho que fariam bonito ensinando música às comunidades carentes que já foram ocupadas pelas UPPs (Unidades Policiais Pacificadoras), com um novo conceito de erradicação do tráfico armado e das milícias que tomaram conta de nossas favelas, cuja ocupação maciça é feita pela massa operária.

Aprendi com uma querida amiga a ter um olhar que contemple os dois lados das criaturas bem como das situações que elas criam. “Há sempre um lado bom em qualquer história”, tenta me seduzir. Falo de Heloisa Lustosa, filha de Pedro Aleixo, único dos ministros a não colocar sua assinatura no maldito AI-5. Católica fervorosa, era presidente do Museu de Arte Moderna em pleno regime militar, e sabe o quanto penou ao nos ceder uma salinha para a instalação da Sombrás. Tachados de subversivos (e tentávamos sim subverter a situação imoral que assolava os direitos autorais no Brasil), sempre tivemos sua amiga mão amiga sobre nossos ombros. 

De uma certa forma, fez-me tornar menos vesgo e radical para uma figura particularmente polêmica da política brasileira: Carlos Lacerda. Atenuo meu horror àquele homem público sempre que atravesso o aterro do Flamengo, e me vejo diante da esplendorosa Baía de Guanabara, e diviso dois símbolos de minha cidade: o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor. Lacerda era um visionário que amava sua cidade.
Infelizmente, ainda não consigo ser complacente e generoso com esse Ministério da Cultura que aí está aí. Faço coro aos meus ex-colegas do Conselho Estadual de Cultura: não existe uma política cultural emanada por aquele Ministério. Se a Escola Portátil tornou-se um Ponto de Cultura (um dos programas do MinC), também o Jongo da Serrinha ganhou o mesmo beneficio – mesmo tendo encerrado suas atividades sociais.

E a nossa classe, agora, é convocada para uma reunião com o referido Ministro. O convite é explícito: apenas para compositores, intérpretes. Nada de representantes das entidades que administram nossas vidas. Isso exclui Paulinho César Pinheiro (que é diretor da Amar-Sombrás), e inúmeros compositores que fazem parte da diretoria de outras associações, como é o caso de Fernando Brant e Ronaldo Passos, para ficarmos apenas em dois exemplos. 

Ao lixo as TVs culturais e educativas. Ou: Cultura virou palavrão


O lado ruim de se sobreviver tanto tempo do lado de cá onde me sinto tecnicamente vivo, é que, fora as novas tecnologias (e sobretudo a Internet) tudo parece repeteco. Reprise de filme ruim, a que fomos obrigados a assistir outras vezes.

Lembro, e aos 75 anos há muito que recordar, alguns episódios que marcaram minha vida. O golpe militar de 64 havia colocado suas botas, bordunas e carabinas dentro da Rádio Nacional, promovendo uma degola sem precedentes na história daquela emissora. Lembro de um querido amigo, o modinheiro Paulo Tapajós, que era um dos diretores da rádio. Ele, irônico, desmentia que o animador César de Alencar (um talento fabuloso na área de comunicação) fosse um dedo-duro. Segundo Paulo, César apontava com o beiço, para a junta militar instaurada, os chamados elementos subversivos. E eles eram imediatamente ceifados. César não era, portanto, um dedo-duro na acepção completa do termo, mas um beiço duro.  

Quando Fernando Collor surgiu no panorama político brasileiro como candidato à Presidência da República na década de 90, sua plataforma de governo era uma luta acirrada contra a corrupção e uma caça aos chamados “marajás”, uma casta que nunca deixou de proliferar, tal e qual as gigóias que volta e meia provocam a mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas (vivo no Rio de Janeiro), causando um mau cheiro indescritível. Ora meu Deus, que ninguém se esqueça: ao vencer as eleições, uma das primeiras medidas de Collor foi vingar-se da classe artista que o rejeitou nas urnas. Desmontou o Ministério da Cultura. Naquela época, 1990, vaticinei: essa merda vai demorar uns 20 anos para ser consertada.

Errei no prognóstico: quatro anos de Sarney, oito de Fernando Henrique Cardoso e mais oito de Lula só fizeram confirmar que cultura era lixo, palavrão, matéria-prima abjeta e de pouca serventia. No máximo, moeda de barganhas políticas. O Ministério de Cultura, como bem proclama o Ziraldo, não apresentou nenhuma política cultural nesses últimos 16 anos. A não ser, como é notório, acabar com o Projeto Pixinguinha e outros programas culturais desenvolvidos a partir da gestão Aloysio Magalhães.  

Lembro, e continuo lembrando, dos tempos da Rádio MEC quando lá a ditadura se instalou. A discoteca foi toda desmontada, o pessoal que ostentava idéias contrárias era sumariamente colocado no olho da rua. Inclusive eu, que movi ação contra emissora em plena ditadura militar, ação que tramitou durante 25 anos, findo os quais venci a questão.

Mesma situação viveria quando chegou Fernando Collor, e fui colocado em disponibilidade, mesmo estando em pleno exercício de minhas funções de produtor na TVE.

Quando leio a nota que vai abaixo, é natural que me sobrevenha uma onde de arrepios. É a reprise de um filme que já conheço.  Quando a TVE foi sucateada, para dar lugar à anódina TV Brasil, havia também a promessa de manutenção de seus recursos humanos.

Vamos lá, abrindo parênteses:

Novo presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, o economista João Sayad se reuniu ontem com cerca de 50 funcionários das produções da emissora. Sua intenção era acalmar ânimos, depois das notícias sobre as mudanças em curso na casa, com a extinção de programas e demissões de profissionais.
Sayad ouviu o que não queria. Dos produtores de Login, tomou uma lição. Eles reclamaram que ficaram sabendo que o programa será extinto por meio do jornal O Estado de S.Paulo, o que acharam uma falta de respeito. "Nunca vi uma coisa dessas", protestou um dos profissionais. Sayad teve de admitir que "falhou na comunicação".
Os produtores de Login também questionaram o fato de o programa ter sido extinto com apenas quatro meses de existência e sem nenhuma tentativa de mudança.
No encontro, o presidente da Cultura confirmou que vai "descontinuar alguns programas", aumentar a importação de conteúdo e reduzir o espaço da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo).
Uma educadora reagiu. Lembrou Sayad do passado glorioso das produções infantis da emissora. "Você pretende acabar com todos os prêmios que a TV Cultura já ganhou", disse ela.
Um momento foi especialmente constrangedor. "Você é um homem de planilha, um homem de máquina de calcular. Nós construímos sonhos. Entre o seu plano e as realizações desse senhor, nos ficamos com esse senhor", disse um funcionário, apontando para Fernando Faro, criador do prestigiado Ensaio. O funcionário foi aplaudido.” (FONTE: Blog do Daniel Castro)

Fico imaginando a dor e a tristeza de Mestre Fernando Faro, um dos ícones da televisão cultural-educativa, que com seu programa “Ensaio”, praticamente reconstituiu parte da memória musical brasileiro na área televisiva. Volto a 1964, e compareço a uma assembléia no auditório da Rádio Nacional, o cantor Black-Out aos prantos, se insurgindo contra aquela ignomínia.
Continuemos:

A Fundação Padre Anchieta divulgou nota oficial no início da tarde desta quarta-feira (4), posicionando-se em relação à notícia deste blog de que a TV Cultura irá passar nos próximos meses por um processo de reestruturação em que poderão ser extintos vários programas e demitidos até 1.400 dos cerca de 1.800 funcionários da emissora.
A nota oficial não nega as informações publicadas pelo blog. Não fala em demissões ou enxugamento da produção própria. Mas anuncia um processo renovação da TV Cultura, porque a emissora "perdeu audiência, qualidade e se tornou cara e ineficiente".
Leia a íntegra da nota:
"Em face às recentes notícias publicadas sobre a TV Cultura, informamos que:
A TV Cultura é patrimônio querido dos paulistas e brasileiros, com um acervo de ótimos programas e vários artistas e jornalistas de sucesso que começaram aqui, mas que precisa se renovar. Perdeu audiência, qualidade e se tornou cara e ineficiente.
Esta é a proposta de renovação que a Administração levará ao Conselho da Fundação Padre Anchieta: a revitalização dos programas admirados, a modernização dos processos administrativos, bem como dos equipamentos, e contando com os talentos que a emissora possui e com a contratação de novos apresentadores e jornalistas". (FONTE: Blog do Daniel Castro)

A conferir. E abrindo novo parênteses :

Ex-secretário de Cultura do Estado de São Paulo, João Sayad assumiu a presidência da TV Cultura em junho com a missão de reduzir a TV pública paulista a uma simples TV estatal. Com o aval do ex-governador José Serra e do atual governador, Alberto Goldman, Sayad pretende reduzir ao máximo a produção de programas e cortar o número de funcionários em quase 80%, dos atuais 1.800 para 400.
Sayad pensa até em vender o patrimônio da TV Cultura. Já encomendou aos advogados da emissora um estudo sobre a viabilidade de a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV, se desfazer de seus estúdios e edifícios na Água Branca, em São Paulo.
Em reuniões com diretores da emissora, Sayad tem dito que a Cultura não precisa ter mais do que 400 funcionários, que ficariam, segundo ele, muito bem instalados em um andar de um prédio comercial. A postura evidencia que a TV Cultura deixou de ser uma questão de política pública. Passou a ser um "pepino", um problema a ser eliminado pelo governo do Estado.
Fontes ouvidas pelo blog informam que Sayad vive dizendo que irá transformar a Cultura, hoje produtora de programas, em uma coprodutora. Ou seja, ela deixará de produzir programas de entretenimento. Passará a encomendá-los a produtoras independentes e a comprá-los no mercado internacional. Atrações como o Metrópolis podem estar em seus últimos dias.
O jornalismo da Cultura deixará de investir no noticiário do dia a dia, caro e mais bem produzido pelas redes comerciais. A partir de setembro, o Jornal da Cultura, com Maria Cristina Poli, passará a ser um jornal mais de debates, de discussão sobre o noticiário, do que de notícias.

Corte de receitas

A TV Cultura tem hoje um orçamento de cerca R$ 230 milhões. Desse total, R$ 50 milhões vêm da venda de espaço nos intervalos dos programas para anunciantes privados. Outros R$ 60 milhões são oriundos da prestação de serviços, como é chamada na emissora a produção de programas e vídeos para instituições como o Tribunal Superior Eleitoral, a Procuradoria da República, a TV Assembleia (do Estado de S.Paulo) e a TV Justiça.
Pois a gestão de Sayad já iniciou o desmonte dessas duas fontes de recursos. Até o ano que vem, a TV Cultura não terá mais nenhuma publicidade comercial em seus intervalos nem produzirá mais programação para órgãos públicos (a publicidade institucional, irrisória, será mantida). Dessa forma, reduzirá uma boa parte do seu número de funcionários.
Se o plano for executado, a TV Cultura sobreviverá apenas dos R$ 70 milhões que o governo do Estado aporta diretamente todos os anos, além de outros R$ 50 milhões que ela recebe pela produção de conteúdo para as secretarias estadual e municipal de Educação.
O plano de demissões de Sayad é mais complexo. Por causa das eleições de outubro, ele não pode demitir funcionários contratados em regime de CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) até dezembro. A Cultura tem entre 1.000 e 1.200 funcionários celetistas. Esses trabalhadores têm emprego garantido até janeiro. Depois, dependem da postura do novo governador do Estado. Para demitir funcionários celetistas, Sayad precisará do apoio do futuro governador, porque terá de contar com verbas extras para pagar as indenizações.
Já os profissionais contratados como pessoas jurídicas (os PJs, pessoas que têm microempresas) podem ser "demitidos" a qualquer momento. Eles seriam de 600 a 800. Os cortes devem ser feitos à medida que contratos de prestação de serviços, como o da TV Assembleia, forem vencendo e não renovados.
O blog tentou ouvir o presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, sobre as mudanças que ele pretende implantar na TV Cultura. Na última segunda-feira, por meio da assessoria de imprensa da emissora, pediu uma entrevista. Ontem à tarde, a TV Cultura informou que Sayad não falaria com o R7.
As informações aqui publicadas foram relatadas previamente à assessoria de imprensa da TV Cultura. Nada foi negado. (FONTE: Blog do Daniel Castro)

Concluindo: a cultura vive um de seus piores momentos. O Ministério que deveria propor políticas culturais, na verdade utiliza subterfúgios como, por exemplo, discutir uma nova Lei dos Direitos Autorais, justamente nos minutos finais do segundo tempo do jogo, ou seja, no final de um mandato ministerial que exatamente não primou por ações exemplares. Vide a crise na Funarte. A TVE, que recebeu polpudas verbas da Petrobras para recuperar seu acervo de fitas, recolocou nas prateleiras o material digitalizado, devolvendo-o ao anonimato.
A Cultura não circula. O mercado de trabalho não oferece muitas alternativas nem para os artistas e nem para o público. Não vemos nenhum candidato à Presidência pronunciar-se sobre matéria que, presumo, é para eles muito indigesta.
Cultura, nos últimos tempos, virou palavrão.