terça-feira, 28 de julho de 2009

Twitter, Saramago e twist


Durante alguns poucos minutos pensei que era erro de grafia: twist, twitter. Nunca tive aptidão para aquela dança, e agora descubro que preciso, ainda mais, entender os mecanismos da Internet. Quem não tiver um blog, um twitter ou qualquer novidade que o mercado certamente lançará ainda nas próximas 12 horas, definitivamente dançou – isso eu cá confidenciei com meus botões que, obedientes, concordaram.

Tenho um amigo querido que me aconselhou os rumos da concisão: escrever menos, períodos mais curtos. Tornar a escritura mais dinâmica, e a leitura mais palatável e de rápida assimilação. Sobretudo se você tem que alimentar um blog.

Me consola a entrevista com José Saramago, “A internet não veio para salvar o mundo”. O escritor mantém um blog, mas observa, entretanto, que continua “a utilizar frases longas, da que dão espaço e tempo para observações e análises” que julga necessárias. E quanto ao twitter, não cogita cair na tentação: “os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”.

E é esse grunhido que me apavora.

Vejo que irei tomar outro rumo nessa conversa, me reportando a uma das regras básicas do mercado musical: adaptar-se ao modelo que a indústria esteja impondo no momento, desbastando aquilo que possa complicar ou empacar a venda do produto. Sim, produto: remédio, armas, drogas, música. Ordinarizar (esse verbo existe?) o produto, para torná-lo mais rapidamente consumível e de mais fácil reposição nas prateleiras do supermercado: temos aí o crack como bom exemplo. Mais barato que a cocaína e a maconha. Aprisiona mais rapidamente o consumidor e ainda oferece a contrapartida de um desfecho letal a médio ou curto prazo, com reposição garantida de consumo e estoques. Essa é a regra do mercado, induzir ao grunhido primal.

Desde que me enfiaram na cabeça a idéia de ter um sítio (desculpem: site. Leia-se: saite) – fiquei com aquela cara de imbecil, ou seja, a mesma que me acompanha desde criança. Porque eu via a Internet como coisa do demônio. Depois que passei a me familiarizar com a engenhoca, percebi que o tal Inferno de Dante era ali, moradia do cramulhão. Peguei meu tridente e nos atiramos à fogueira.

E assim, antes de acender (desculpem: abrir, ligar, conectar, sei lá) o computador, faço o sinal da cruz, invoco meus orixás – e às vezes consigo adentrar no território minado. Discordo de Saramago: acho que a Internet chegou para melhorar o mundo. Ou, pelo menos, com essa intenção. O problema é que atrás da máquina existe o homem, a pior invenção de Deus (e há quem pense justamente o oposto). Mas é aí que acredito na diversidade humana, monitorada apenas por imbecilizadores profissionais, realmente a Internet seria um desastre. Vê-se que não é só assim.

Mas comparo a Internet às chamadas televisões culturais ou educativas e, consequentemente, a todo e qualquer instrumento midiático. Sonhar como sonhavam Roquette Pinto ou Anísio Teixeira, Paulo Freire e Mário de Andrade, Rodrigo de Melo Franco e Villa-Lobos, Nilse da Silveira e Aloísio Magalhães e alguns outros pode parecer uma utopia. Mesmo sem terem chegado aos tempos cibernéticos, as ferramentas utilizadas por aqueles educadores poderiam perfeitamente ser adaptados às novas linguagens tecnológicas.

De alguma forma, até onde puderam alcançar (o rádio e o cinema, mais especificamente), deixaram diretrizes muito fortes, que são o esteio de tantos projetos e programas que, de alguma maneira, engatinham mais como forma de entretenimento do que educação propriamente dita. Entretenimento é uma coisa, cultura é outra, observou no outro dia o Amir Haddad. Mas aí haveria que se implantar uma política cultural que atendesse a toda essa gama de culturas que, sobretudo no Brasil, nem sempre conseguem se tocar.

Antes que sejamos contaminados pelos grunhidos a que se refere Saramago, os Ministérios da Cultura e Educação, e as Secretarias que executam políticas de inserção dos jovens no mundo da Internet têm a obrigação de discutir como utilizar todo esse instrumental, toda essa gama maravilhosa de ferramentas que poderia fazer com que a Internet, sem querer salvar o mundo, pudesse ao menos melhorá-lo.

O e-book (ou o que isso lá signifique)

Vejo como uma das penúltimas novidades da tecnologia internáutica, o surgimento de um e-livro (ou coisa parecida): uma engenhoca portátil, em cuja tela você vai lendo seus clássicos favoritos.

Ou seja, esse seria o futuro do livro impresso. E, depois, dos jornais impressos. Sabendo-se quantas árvores precisam ser abatidas para produzir um livro ou editar diariamente milhões de jornais, nada mais ecologicamente correto. Ou não?

Num desses “clássicos de bolso”, razoáveis de serem lidos durante uma viagem de ônibus a São Paulo (temo tudo o que voa: aviões, gafanhotos, borboletas, helicópteros e afins) – eis que descubro que esse reducionismo, se entrarmos no universo de Cervantes ou Guimarães Rosa, não importa, é muito discutível.

“É um hábito, e hábitos se mudam” – vaticina meu amigo Alexandre Pavan, pesquisador da pesada. Até concordo, em parte. Hoje quase não existe mais a prática da epistolografia como a conhecíamos: e vamos ficar apenas no exemplo de Mário de Andrade. O computador é um instrumento facilitador da comunicação instantânea, assim como deve ser o tal twitter.

Mas como garantir a perpetuidade do que ali foi escrito? Como preservar para as futuras gerações a troca de correspondência entre alguns luminares que ainda se apóiam na palavra escrita à forma antiga: escrever à mão ou à maquina, garantir a autenticidade do escrito com uma assinatura, endereçar num envelope caprichado, pedir que ao invés do carimbo o rapaz dos Correios coloque um selo – e aí, dessa forma, vejo como se exerce amplamente a arte da epistolografia.

Claro, posso pegar esse texto, imprimi-lo, depois postá-lo – e aguardar que o destinatário faça o mesmo, devolvendo com a antiga elegância os pensamentos e reflexões ali perpetuados.

Exclamarão, “Saudosista!”. E me apoiarei no acervo de Augusto Boal, recém falecido, com 50 mil itens e que foi doado pela família do dramaturgo e diretor à UniRio. Muito de raspão, tento lembrar que um mero recado na secretária eletrônica do autor era motivo de preocupação do Boal. Como preservar o recado gravado por voz tão importante da cultura?

Isso me fez lembrar que, jovem ainda, deixei no hotel onde Igor Stravinski se hospedava, um questionário sobre música. Ele, no próprio envelope onde eu colocara livros e discos, devolveu aquela trecalhada explicando qualquer coisa que agora não me recordo, mas que você encontrará no meu sítio, site ou saite – como queiram. Lembro da emoção em receber, mesmo sob imenso sentimento de frustração, aquele autógrafo precioso e indesmentível. Se eu contasse essa história sem a contraprova, estaria ferrado. As palavras fazem história. E a caligrafia de um Stravinski, essa hoje posso eternizá-la e, o que é melhor, fazê-la circular através da Internet. Vê-se, pois, que em mãos inteligentes e não emburrecedoras, a tese do grande Saramargo é, em parte, bastante discutível.

E voltando ao e-book, quero dizer que tenho um especial fascínio por livros de arte. Sobretudo aquelas maçudos, bem escritos e ilustrados, iconografia farta. Quando entro numa livraria e me dirijo ao nicho onde eles estão, confesso que não consigo imaginar as pinturas de Bosch, Chagall ou de meu amado Modigliani transferidos para uma outra mídia que você irá apreciar numa reduzida tela de um notebook – ou e-book.

Já ouço a contestação, “o homem encontrará uma forma de compatibilização entre a Internet e o papel impresso que, por sua vez, reproduzirá até com fidelidade a obra de arte pendurada num desses museus fantásticos que existem por aí!” (e por aqui também, façamos justiça).

Sei não, mas acho que a releitura da “Pedagogia da autonomia” (saberes necessários à prática educativa), de Paulo Freire, me subsidiará nessa crença que guardo pela cultura, qualquer ela, que só vejo exercida na prática quando a colocarem em rotatividade, dentro de um eixo giratório, através de uma ciranda circular.

Quando os experimentalistas inventaram o cinema ainda mudo e em preto e branco, logo perguntaram, e o som? E as cores? E a tridimensionalidade?

A crítica que hoje posso fazer à Internet é que ela espalha, muitas das vezes inconsequentemente, o fato-notícia sem legendá-la com clareza.

E ai, sim, eu a vejo como uma máquina de grunhidos reducionistas, esses que tanto assustam o grande Saramago.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Saudades da Zezé




(CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIÁ-LA)

Zezé Gonzaga (1926-2008), mestra do canto brasileiro, nos deixou em 24 de julho de 2008.

Recebeu, em vida, a notícia de que a ela fora concedido o título (acima) de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Foi a primeira cantora brasileira a receber esse título, por inciativa do Prof. Luiz Otávio Braga. Bastante debilitada pela saúde, faleceu dias antes da cerimonia de entrega.

Há duas semenas, seu disco "Entre Cordas" concorreu, sem vencer, à categoria de Projetos Especiais do Recente Festival (ex-Tim) de Música Brasileira. É seu legado artistico, ela entrelaçada às cordas do Quarteto Maogani, Mauricio Carrilho, Baden Powell, Hamilton de Hollanda, Luiz Otavio Braga, Cristina Braga, João Lyra e outros.

Num especial gravado para a TVE, Radamés Gnattali aponta Zezé Gonzzga como sua cantora favorita.

No dia 24, Zezé Gonzaga ganhará alguns canteiros de flores ("Lírios da paz") na rua onde existe o Edificio Pixinguinha.
Sem discursos nem velas. Apenas com uma imensa saudade. Afinal, Zezé Gonzaga é um bem ecológico.

***



Os poemas a seguir integram o livro "A voz e o tempo" (edição particular), dedicado a Zezé Gonzaga e publicado em 3 de setembro de 2007 (aniversário da cantora), numa tiragem limitadíssima de 3 exemplares ilustrada por Luiz Pessanha.

A VOZ E O TEMPO*

O tempo não fala
mas roi em silêncio
as emoções;
com arte disfarça
e grava sua marca
nos corações.
Em seus labirintos
existem gradís
se ocultam prisões;
que ele, esse tempo,
ao tempo escancare
a luz que habita
os seus porões.
Ao vento eu empresto
a voz que me deram:
que o tempo a carregue
de muitas canções.

(*) Este poema recebeu música de Maurício Carrilho.

BADERNA DA GLÓRIA

Faz tempo, esse batizado!
Garanto não ser chalaça :
no cálice bento a cachaça
fez a vez de água benta;
Já caí em tentação
No primeiro sacramento :
a roupinha de pagão
virou emplastro e unguento
de mirra, mijo e marafo.
E como se fosse um Te-Deum
cantaram um samba na igreja
Era Ataulfo ou Noel?
(A gente sentia no bafo
a força da patuléia
quando após o Santo Ofício
foi-se aos pastéis com cerveja
cantando Saudades da Amélia)

Alguns anos depois
eu, aquele menino,
numa taberna de glórias
entre pastéis, empadinhas
Eis que ouvi um Benguelê.
(Eram grilhões e senzalas
De uma África inteira
Que em renda e alfazema
Se corporizava ali :
corimas e caxambús
e cantos de pastorinhas
e jongos, lundús, ladainhas ).
E disso guardei memória :
Do seu Outeiro desceu
em Glorias, clemente Senhora
cantando um Agnus Dei.
Num silêncio de oratório
fez então seu ofertório :
Meus olhos verdes benzeu.
E formou-se a procissão :
Eram anjos e coroinhas
jongueiros, porta-bandeiras,
passistas e mestres-salas
também negros e pastores
mulatos, ateus e carolas
mães-de-santo, judeus,
formando blocos e ranchos
e escolas com mais de mil alas
a mais fina flor da ralé
e, no andor, Mãe Quelé.

Quanto de amor e doçura
Deu-me aquela criatura
Quando seu canto espargiu.
Naquela baderna, na Glória,
Outra voz tão linda assim
nem Deus eu acho que ouviu! )


O HOMEM É MAIS O QUE PENSA

O homem é mais o que pensa
Do que ele deixa lavrado.
A palavra é feito um seixo
Que rola pelo riacho;
E vai desaguar noutras águas
Se perdendo a identidade.
Não é feito o pensamento
Que vive nem aprisionado :
E no que se enclausura
Mais nos eixos fica enfeixado.
É feito um trem posto nos trilhos
Mas que se vê sem os freios :
O homem, e o que ele pensa
É bem mais que pensamento :
É a curva desembestando
À frente da locomotiva :
É o freio que, não parando,
Logo o trem desencarrilha.
O pensamento é viúvo
Que nunca esposou de fato :
Vive dele com ele mesmo
Sem dar-se conta do exato.
Os aneis pensos no dedo
Lembra a sua viuvez :
Na outra mão, a solteira,
Vive a sua sordidez.
Com ela futuca os buracos
Dos corpos da vizinhança
E faz com os dedos a festa
E promove a sua lambança.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dia do Amigo

Sei lá, recebi tão comovedoras mensagens pela data de hoje (que ignorava ser “Dia do amigo”), que me senti na terna obrigação de colocar no Blog do Acervo HBC os versos que fiz para um lindo choro de meu queridíssimo Capiba. Essa música foi inicialmente gravada por Zé Renato e Lenine, e posteriormente por Simone e Zélia Duncan, e dedico-a a vocês :


AMIGO É CASA
Capiba/Herminio Bello de Carvalho

I
Amigo é feito casa que se faz aos poucos
e com paciência pra durar pra sempre.
Mas é preciso ter muito tijolo e terra
preparar rebôco, construir tramelas.
Usar a sapiência de um joão de barro
que constroi com arte a sua residência
a que o alicerce seja muito resistente
que às chuvas e aos ventos possa então a proteger

II
E há que fincar muito jequitibá
e vigas de jatobá
e adubar o jardim e plantar muita flor
toiceiras de resedás
não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar
que os cabelos brancos vão surgindo
Que nem mato na roceira que mal dá pra capinar
e há que ver os pés de manacá
cheinhos de sabiás
sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis
choro de imaginar !
prá festa da cumieira não faltem os violões !
muito milho ardendo na fogueira
e quentão farto em jenjibre aquecendo os corações

I
A casa é amizade construida aos poucos
e que a gente quer com beira e tribeira
Com gelosia feita de matéria rara
e altas platibandas, com portão bem largo
que é pra se entrar sorrindo nas horas incertas
sem fazer alarde, sem causar transtorno
Amigo que é amigo quando quer estar presente
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber .

III
Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar, se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
Amigo a gente acolhe e recolhe e agasalha e oferece lugar pra dormir e comer
Amigo que é amigo não puxa tapete oferece prá gente o melhor que tem e o que nem tem
quando não tem, finge que tem, faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.

...

Conforme anotação de 20/06/2004, explico que homenageio Herivelto Martins, Cartola e Lamartine nesses versos. Veja os grifos em itálico.

Mudando de conversa: ontem recebi um telefonema de Vitória Bonaiutti. Mesmo para os que não viveram a chamada época de ouro da Rádio Nacional, hão de saber da existência dos mitos Emilinha Borba e Marlene. Marlene: Vitória Bonaiutti.

Devo muito de minha vida artística àquela que ganhou o título de “É a maior”. E também a Linda Batista, “Rainha do Rádio” durante 11 eleições seguidas (e me corrija, Sergio Cabral, se eu estiver errado).

Na década de 50, estrelíssimas, prestaram atenção num reporterzinho mal ajambrado que, aos 16 anos, já tinha uma coluna em revista, a “Rádio-entrevista”.

O telefonema de minha querida Marlene, amiga de todas as horas, me fez percorrer os corredores da Rádio Nacional.

E, de repente, abrindo meu imeio, descubro que no YouTube existe uma imagem belíssima dessa fenomenal intérprete cantando Gonzaguinha, querido Gonzaguinha. E com a indicação de que há um outro vídeo disponível, de Linda cantando “Vingança”.

Sei lá, me dei conta de que minha vida é feita desses recortes: Linda, Marlene, Dalva, Herivelto, Lamartine, Capiba – tanta gente!

Divirtam-se, pois, com uma fantástica atuação de Marlene, que recém havia feito o “Te pego pela palavra” e o “É a maior” (esse último, parceria minha com Fauzi Arap). E rever Linda Batista em meu programa na TVE, é uma dádiva dos deuses.

Inté!

Hermínio Bello de Carvalho