sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

depontacabeça (IV)

Por Hermínio Bello de Carvalho

Este DEPONTACABEÇA é uma celebração pelos 70 anos que Aurea Martins está festejando neste 2010, e uma extensão do disco anterior, que deu a ela o prêmio de Melhor cantora de 2009. 

Lembro quando seu nome foi anunciado no “Canecão” por Fernanda Montenegro, que por um momento achou que Áurea estivesse ausente. Até refazer-se do susto e alcançar o palco, ela foi ovacionada pela plateia e pelos colegas de profissão, já que o prêmio significava o reconhecimento de uma nobre carreira de quase meio século. A “crooner de voz rouca”, reconhecida por Nei Lopes como uma das três maiores
cantoras do Brasil, continuava atuando sob um espantoso manto de invisibilidade que a sua profissão – “Cantora da noite? Eu também canto de dia!”, ela costuma brincar – reserva para um tipo raro de artista. Ele você verá raríssimas vezes na televisão e ouvirá, possivelmente, ainda menos nas emissoras de rádio.


Causa espanto saber que em quase 50 anos de estrada, este seja apenas o quarto disco de Áurea Martins - o que sublinha e reforça a tese do ostracismo defendida por Aldir Blanc, mas  que prefiro chamar de invisibilidde. 

O disco anterior foi co-produzido com o pianista Zé-Maria Camilotto Rocha, autor do perfil biográfico que consta deste release.  Desta vez,  o  violonista Lucas Porto, que atua como professor na Escola Portátil de Música, dividiu comigo os trabalhos de produção artistica do DEPONTACABEÇA. 

Comentava com Lucas, olhando a meninada folheando as partituras dentro do estúdio, que maravilhoso arco do tempo havia em nosso disco.  Entre os instrumentistas, o mais jovem tinha 21 anos – nosso Luizinho Barcellos. E, no repertório, a presença de jovens parceiros como Vidal Assis e Fernando Penello, ambos na faixa dos 25 anos, indo às culminâncias de minha parceria com Alfredo da Rocha Viana Junior, o Pixinguinha (que hoje teria 113 anos).  

depontacabeça (III)

Por Aldir Blanc

Em qualquer país que preze sua cultura, Áurea Martins seria incensada. No Brasil, terra de indigência e cascatas culturais, Áurea Martins não aparece nas rádios nem na televisão. É como se privássemos o povo brasileiro de beber em fonte límpida. Cantar é, já disse e repito, o Maior Espetáculo da Alma. E nossa própria alma nunca se redimirá sem a voz sagrada de Áurea. Ela faz parte, e talvez seja a última representante, de uma tradição inesgotavelmente rica, e é também pedagógica, porque uma porção de gente que se acha cantora tem muito que aprender com a Áurea Martins.


É incrível que uma artista assim diamantífera, única, jóia da Coroa de Ouro formada por cantoras como Ângela Maria, as Irmãs Baptistas, Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Aracy de Almeida, Clementina de Jesus  permaneça em ostracismo cruel.

Áurea Martins é o elo vivo de uma história, de uma Legenda Cultural nossa – uma Legenda Áurea!

depontacabeça (II)

Por Zé-Maria Camiloto Rocha

ÁUREA MARTINS brotou e floresceu duma cepa de músicos (sua avó tocava banjo) radicada em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Suas primeiras apresentações em público dão-se como integrante do coral do Ginásio Estadual “Raja Gabaglia”. No final da adolescência, passa a freqüentar os clubes da jazz do subúrbio e a atuar como lady crooner do conjunto dos tios em bailes da periferia. Na primeira metade dos anos 60, começa a ser atraída para o centro da cidade. Numa renovação do cast da Rádio Nacional, é incluída entre os novos integrantes do elenco da emissora, ao lado de Alaíde Costa, Peri Ribeiro e Elis Regina (1945-1982), sob o incentivo de Paulo Gracindo (1911-1995). Registra-se então sua voz em disco pela primeira vez,  numa faixa do LP Alvorada dos Novos, produzido por Altamiro Carrilho para a Copacabana.

Em 1969, vence a quarta edição do programa anual A Grande Chance, criado e apresentado por Flávio Cavalcanti (1923-1986) para a Rede Tupi de Televisão. O certame, com final realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, teve entre os membros do júri os maestros Erlon Chaves (1933-1974), Guerra Peixe (1914-1993) e Linfolfo Gaia (1021-1987); o pianista Bené Nunes (1920-1997); a cantora e compositora Maysa (1936-1977); a atriz, cantora e diretora Bibi Ferreira; e o jornalista e escritor Austragésilo de Ataíde (1898-1993). Pelo primeiro lugar, conquistado com a nota máxima de todos os jurados, Áurea  recebe como prêmio uma viagem a Portugal e um contrato para gravação de discos na RCA Victor. Na esteira do sucesso pela vitória do concurso, foi contratada para se apresentar na boate “Drink”, da cantora e empresária Helena de Lima, em Copacabana. Em 1970, faz sua estréia em São Paulo, num show no Teatro Gazeta com o pianista e compositor Ribamar (1919-1987), parceiro de Dolores Duran (1930-1959) na canção Pela Rua, interpretada por ela na final de A Grande Chance. Após registrar dois compactos, produzidos por Rildo Hora e com arranjos de Guerra Peixe, lança em 1972 seu primeiro LP. No disco –  também produzido por Rildo, com arranjos do pianista Luís Eça (1936-1992) e a participação do poeta Paulo Mendes Campos (1922-1991) –, Áurea é acompanhada pelo Tamba Trio mais o violonista Luís Cláudio Ramos.  

(Seu talento sempre foi muito bem reconhecido, sim. Mas, para complementar os incertos cachês de cantora da noite, Áurea achou melhor arranjar um trabalho diurno que lhe garantisse um salário fixo –  e nisto teve sorte como quê! De carteira assinada, entrou para o serviço público como inspetora de classe no Colégio Estadual “André Maurois”, no Leblon, então sob a direção de D. Henriette Amado. [Dentre os jovens sob a sua inspeção, ela se lembra especialmente de Evandro Mesquita.] Quando os alunos se organizaram para promover um festival escolar da canção, um deles falou: “A inspetora canta.” E assim, Áurea voltou a cantar num colégio. Agora, porém, não mais como integrante de coral; mas como solista. A partir daí, várias foram as vezes em que D. Henriette a convocou à sala da diretoria [que, aliás, não tinha porta] para que cantasse para ela, em pleno expediente [People, de Jule Styne & Bob Merril, era uma das preferidas da valente educadora experimental]. Mas o sonho da brava senhora foi drasticamente interrompido numa manhã de agosto de 1971. Ao ver D. Henriette ser retirada do estabelecimento pelos militares, Áurea saiu junto e não voltou sequer para dar baixa na carteira.)

No Dancing Brasil, na Avenida Rio Branco, Áurea Martins tem a oportunidade de trabalhar em 1972 com o cultuado “Fats” Elpídio, que ela, já de menina, conhecera através de suas gravações como pianista da legendária boate “Vogue”. O saxofonista Paulo Moura, que presenciara seu êxito na noite do Municipal, e o pianista Wagner Tiso levam-na dali até Atenas, para com eles se apresentar sob os auspícios embaixada brasileira na Grécia. Ao voltar, é contratada pela boate “Number One”, em Ipanema. Ali, ao lado de Djavan, faz revezamento com Alcione, tendo no acompanhamento o pianista Édson Frederico. A amizade com Emílio Santiago começa na boate “706”, no Leblon, ainda na primeira metade dos anos 70, onde Áurea estréia acompanhada pelo pianista Cristóvão Bastos. No final daquela década, quando a música fina da noite boêmia da Zona Sul começa a migrar para as margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, Áurea vai junto: “O Teclado”, onde atua pela primeira vez ao lado do pianista Zé-Maria Rocha, revezando com Johnny Alf; “Chiko’s Bar”, com Luís Carlos Vinhas (1940-2001); “Antonino” e, já nos anos 90, os shows do “Au Bar”, divididos com Marisa Gata Mansa (1938-2003) e Zezé Gonzaga. Seu destino seguinte é a nova Lapa, onde inaugura o “Carioca da Gema” (de cujo elenco participou por sete anos) e faz diversas atuações no “Rio Scenarium”. 

Foi num salão de beleza, entretanto, que conheceu Elizeth Cardoso. Áurea e a Enluarada tornaram-se amigas. A partir de então, tornou-se freqüente o fato de a Divina deixar o recesso do Olimpo à noite para, metamorfoseada em simples cliente de boate, ir ouvir Áurea cantar. Conta Hermínio Bello de Carvalho que, certa vez, enquanto Áurea dava seu recado numa festa particular na qual se sucediam diversas canjas, Jamelão confidenciou ao seu ouvido: “Essa aí sabe das coisas...”) 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

depontacabeça (I)


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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um matulão de notícias (4) - Livro & disco

Já está na praça o “Depontacabeça”, gravado por Áurea Martins na Biscoito Fino, todo ele com obras – a maioria inédita – de minha lavra, com parceiros de grosso calibre como Pixinguinha, Moacyr Luz, Vidal Assis, Fernando Temporão – e o disco, infelizmente, não deu para caber outros novos companheiros de música como Marcelo Caldi, Luisinho Barcellos e tantos outros que ficam escavucando meus guardados. Os arranjos são de Lucas Porto.


Pedi à Cecília Scharlach que deixasse para março do ano que vem o lançamento do “Áporo Itabirano, uma epistolografia à margem do acaso”. É, como já expliquei lá em cima, a correspondência trocada com Carlos Drummond de Andrade. Prepondera, naquele lote de cartas, a discussão de projetos culturais.

Bons dias para todos.

Um matulão de notícias (3) - O batizado de Sofia, primeira neta de Virginia e Mauricio Tapajós

Sofia,

Deixe, antes de tudo, que eu me identifique: padrinho de batismo do Márcio, teu pai, e consequentemente cumpadi de Virginia e Mauricio que, por sua vez, foram meus afilhados de casamento.

Fui sim ao Outeiro, e disso é testemunha tua avó Virginia, tua bisavó Norma (de cabelo agora branquíssimo) e o Márcio, o Lúcio, a tapajosada toda.

Mas aí, demorando a começar o ofício, fui vagabundear pelas redondezas do Outeiro, onde Mãe Quelé ia depositar suas preces, e hoje protege a todos nós no terreiro de samba que, imagino, deva existir no andar superior.

Pois bem, fui inspecionar o Plano Inclinado, que tantas vezes utilizei, mas que estava parado. Ainda fui até o antigo Museu, onde as joias da coroa ofuscavam nossas vistas – e fiquei vendo a descida e subida das aeronaves no Aeroporto Santos Dumont, que se desnuda por inteiro, se te debruças na amurada que cerca o Outeiro.

E nada do padre aparecer.

Bem, pensei assim: se cumpadi Mauricio estivesse por estas bandas (desculpe, está está!) teria a mesmíssima idéia: brindar teu batizado na velha Taberna da Glória.

Para feito de tal envergadura, há que ter idade e pernas fortes, o que não é o meu caso, embora ainda não use bengalas ou muletas. Olhei a escadaria abaixo, pensei duas vezes e parei em frente ao início da ladeira, onde haviam dois passarinhos, saíras talvez, beliscando coisas entre os paralelepípedos da rua.

Achei que era um bom sinal.

Dei bom-dia pra eles, eles avoaram, e lá fui eu me despencando ladeira abaixo, que nem os Rolling Stones. (Traduza, que dá certo). Fui amparado nessa hora por braços invisiveis, talvez de Quelé ou do próprio Mauricio, que me conduziram até a porta do ilustre estabelecimento, onde nasceu o samba “Mudando de conversa”, feito de parceria com teu avô paterno. Encontrei um dos garçons lavando as pedras portuguesas (como sempre desalinhadas), e fiz a pergunta obvia, sem contar com a resposta inesperada: “Só abre lá pelas onze e meia”.

Tenho pavio curto e garganta seca nessas horas. Praguejei alguma coisa que não reproduziria aqui (até porque soltei um palavrão dentro da Igreja, o que deve ter assustado minha cumadi Virginia) e acenei pro taxi.

E cá estou, pedindo desculpas por não ter participado, fisicamente, do teu batizado.

Mas eis-me erguendo um Terras de Xisto em tua homenagem, desejando que tenhas um lindíssimo futuro pela frente (“não existe futuro para trás, não é sua besta?”, me respondo, insolente), que encontres um cara generoso que se encante pelos seus já visíveis encantos, e que toque violão e faça versos, que tenha cabelos encaracolados como os de teu afro-meio-avô (não sei designar meu grau de parentesco com você, Sofia: meio-avô digital ou analógico?, consulte o dicionário para ver no que dá).

Saiba do afeto que se encerra no meu peito juvenil e varonil, e combinemos o seguinte: daqui a alguns anos (poucos) estaremos na Taberna, brindando alguma coisa como tua formatura, noivado, casamento – o que for.

E aí receberás, de corpo presente, o beijo afetuoso do teu padrinho-avô-analógico que se assina

Herminio Bello de Carvalho

Um matulão de notícias (2) - Lélia Coelho Frota

Antropóloga, amiga querida, colega de trabalho nos tempos da Funarte – que beleza a introdução que Lélia faz ao belo e imprescindível livro “Mário de Andrade: cartas de trabalho”, epistolografia que revela a importância de febril atuação de meu guru frente à criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico, redator que foi do anteprojeto que daria vida àquele órgão. Ele e Rodrigo Mello Franco cimentaram os alicerces do SPHAN. “Mario de Andrade tinha por principio fazer circular o seu conhecimento múltiplo pelas diversas áreas do saber em que atuou”, destaca Lélia em seu texto.

A cultura tem que circular, é um bordão que adotei há alguns anos, talvez inspirado nesse pequeno parágrafo que pincei da preciosa introdução que a saudosa antropóloga fez para aquele maço de cartas de trabalho.
Perdemos Lélia há poucos meses, depois de uma longa batalha contra o câncer. Iria escrever o prefácio do livro que, desde o principio, me estimulou fazer: trazer a público minha correspondência com o poeta Carlos Drummond de Andrade. Será um trabalho revelador, pelo menos num aspecto: a atenção que nosso maior poeta dava a um animador cultural que tentava seguir, numa escala reduzidíssima, a trilha traçada pelo grande Mário.

Hoje não se discute política cultural, que aliás tornou-se desimportante desde a era Collor, quando ele extirpou o Ministério da Cultura do organograma governamental. Viria depois o grande Aloísio Magalhães, o último a pensar e executar um projeto cultural que encontrou um forte esteio na Funarte, com seus diversos institutos atuando em nível nacional. Veio daí o Projeto Pixinguinha, cria do berço esplêndido de outro projeto, o “Seis e Meia”, idealizado por Albino Pinheiro. O Pixinguinha, projeto cuja exemplaridade era ressaltada pelo professor Celso Furtado, foi decepado do leque de projetos da atual Funarte. Seu algoz é o atual ministro, que o substituiu pelos chamados Pontos de Cultura que, reconheçamos, atende pelo menos alguns programas pontuais que atuam fora do vicioso eixo Rio-São Paulo.

Está em curso uma guerra pouco santa: uma disputa feroz pelo cargo de Ministro da Cultura do Governo Dilma Rousseff. A Secretária Estadual dessa pasta no Rio de Janeiro está, pelo que leio no “O Globo”, empenhada em prorrogar por mais quatro anos o mandato do titular da pasta, que a ocupou por oito anos, revezando-se com Gilberto Gil. Seria um mandato quase tão longevo quanto o do ministro Gustavo Capanema, na era Vargas.

“Fazer circular o seu conhecimento”, volto à querida Lélia Coelho Frota para expressar meu desencanto com a nossa área cultural. Porque vivo cercado de jovens compositores, instrumentistas, cantores – todos à margem de um mercado cada vez mais afunilado e também asfixiado pela indiferença dos poderes. Lembro, a propósito, quantos “filhotes” do “Seis e Meia” foram gerados pelo Brasil afora, escancarando o mercado de trabalho dos músicos. O Projeto Pixinguinha consolidaria essa conquista, há dois anos decepada pelo atual Ministro da Cultura.

Circular, circular.

O novo ministro há que ter uma visão holística desse Brasil de tantas e diferenciadas culturas.

Um matulão de notícias (1) - Jodacil Damaceno

Não sei redigir obituários, mas gosto de alguns epitáfios. “Essa mulher nunca topou chantagem”, ditou a grande Eneida de Moraes para os amigos gravarem em sua lápide. “As melhores mãos direitas da MPB devem tudo a ele”, escreveu Joyce tão logo soube da morte de Jodacil Damaceno.
Pedi a um profundo conhecedor da vida e obra de Jodacil, o luthier Ricardo Dias, que traçasse um breve perfil de um grande mestre do violão, falecido em 19 de novembro 2010. Você não encontrará esse obituário nos jornais. Essas perdas culturais costumam não gerar notícias.


Vamos lá: “Jodacil Damaceno nasceu em 03/11/1929 em Vargem do Mundo, distrito de Campos, Rio de Janeiro. Na década de 1950 começou a estudar acordeon com José Augusto de Freitas, de modo a ficar próximo da namorada, Ignez. O artifício deu duplamente certo: casou-se com ela e descobriu que Freitas lecionava violão, instrumento que também namorava, mas à distância. O próprio Freitas o levou a Antonio Rebello, aluno de Isaías Savio e avô dos integrantes do Duo Abreu. Trabalhando em escritório – tendo como colega de sala o poeta Herminio Bello de Carvalho – escapulia na hora do almoço para estudar na oficina do luthier Silvestre e nos fins de semana começava a dar aulas, sua vocação maior. Conheceu Segovia, Villa-Lobos e teve na Radio MC um importantíssimo programa de divulgação do seu instrumento: “Violão de Ontem e de Hoje”. Na década de 1970 lecionou na França, a convite de Turibio Santos, seu amigo e também aluno do Prof. Rebello. Nos Seminários de Música de Porto Alegre deu aulas para grandes nomes do violão, como Alvaro Pierri e Eduardo Fernandez. Foi um dos pioneiros na inclusão do violão na Universidade, tendo sido durante muitos anos professor na Universidade Federal de Uberlândia. Foi recitalista eventual e gravou dois discos: o primeiro, a convite de Arminda Villa-Lobos, com os prelúdios do maestro. Anos depois, lançou um CD com duos em parceria com Newton Fernandes. Ao completar 80 anos foi homenageado por sua aluna, a professora Sandra Mara Alfonso, com uma biografia em livro, resultado de sua dissertação de mestrado, “O Violão, da Marginalidade à Academia – Trajetória de Jodacil Damaceno”. Deixa inúmeros ex-alunos, uma interminável lista que vai de Helio Delmiro a Joyce, de Jards Macalé a Heitor TP, de Guinga a Marcelo Kayath. São 50 anos de dedicação ao ensino e, mais do que isso, aos alunos. Dedicava a todos igual atenção, um cuidado de ourives ao burilar quem lhe passava pela sala de aula. Enriqueceu tremendamente o violão brasileiro, deixando uma marca cujo peso ainda não pode ser avaliado. Deixa a esposa e companheira de quase toda a vida, Ignez, três filhos e duas netas.”
Joyce lembra outra discípula de Joda: Rosinha de Valença. E faço aqui um adendo ao texto de meu caro luthier: o conteúdo do programa “Violão de ontem e de hoje” (discos, informações) era todo ele fornecido por Joda, um apaixonado do assunto. Eu era apenas redator e locutor do programa. Fizemos ainda um programa chamado “Violão e poesia”. Ricardo Dias ficará responsável, acredito eu, pelo vasto acervo deixado por Jodacil. Um acervo tão importante quanto o de Ronoel Simões, outro colecionador e estudioso da literatura do violão, também desaparecido há pouco.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Hermínio no "Entrelinhas"

Abaixo, você assiste à entrevista concedida por Hermínio ao jornalista Manuel da Costa Pinto, no programa "Entrelinhas", da TV Cultura.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sete segundos

Apenas um átimo de sete segundos é o que resta da imagem de Jacob do Bandolim em nossos acervos áudiovisuais.

E lá está ele, à porta de sua casa em Jacarepaguá, em pé, dando uma entrevista cujo teor ignoramos. É que a cena foi recuperada por algum colecionador de imagens, mas à maneira do cinema mudo.

Jacob sem bandolim. Jacob sem voz. Não encontramos nenhuma imagem de Jacob tocando seu mágico bandolim.


Vamos dar nomes à essa ignomínia: descaso e incompetência.

Ainda que não sonorizada, quanto vale essa imagem de Jacob? Quanto valeria alguns minutos dele tocando sua própria obra, ou as de seu autor favorito, Pixinguinha?

Quanto vale aquele encontro “Entre Amigos”, com Jota Efegê reunido a seus comparsas na vida cultural: Carlos Drummond de Andrade, Nássara, Álvarus e, modestamente, o que ora digita estas notas. A escolha dos convidados, que se esclareça logo, foi imposição do próprio Jota.

Querem discutir política cultural, deixando de lado os problemas que ameaçam as emissoras ditas educativas e culturais? Dando nome aos bois: TV Brasil (ex-TVE) e TV Cultura. As duas estão encurraladas pelo desprezo que lhes devotam nossos dirigentes políticos.

Sim, é uma falácia – uma falácia atroz.

A TV Globo se dá ao luxo de criar um novo canal apenas para bisar e reprisar suas novelas e alguns de seus programas mais famosos, como a excelente Escolinha do Professor Raimundo. E bate recordes de audiência. Apesar do incêndio que devastou seus arquivos, muita coisa foi salva através de uma inteligente política de aplicação de recursos na preservação de seus acervos. Tudo bem, não temos a bela imagem de Pixinga ao piano e Tom Jobim na flauta, solando o “Carinhoso”. Eu tenho apenas o áudio, que gravei com um aparelhinho furreca, colado à tela do meu televisor de mínimas polegadas, quando passou o programa que registrou aquele mágico encontro, aliás narrado pela Elis Regina e Paulo Gracindo. Ao fundo, Albino Pinheiro, promotor do encontro. Grande Albino.  


Ando me queixando sempre das mesmas coisas, não é? Pois vou agora ampliar meus queixumes, indo direto ao centro da questão.

Sou ligado às raízes da Escola Portátil de Música, assim como ao Instituto Jacob do Bandolim. Ministrei uma oficina naquele mágico e sonoroso colégio que agrega mais de 800 jovens alunos e tem uma penca de professores de primeira linha. Cito alguns: Mauricio Carrilho, Cristovão Bastos, Luciana Rabello, Paulo (do quarteto Maogani) e Pedro Aragão, além de minha querida Bia Paes Leme – a quem costumo me referir como um espécime equivalente à professora Cleonice Bernardinelli, a Divina Cleo, a maior autoridade em Fernando Pessoa.

Naquela oficina (“de coisas”, como a chamei) eu trabalhava ancorado em dois eixos, estranhezas e conexões. Não vou explicar a teoria desse método, simplesmente porque ele só existe na prática. Mas a emoção que despertava na garotada ser apresentada ao clarinete de Abel Ferreira, à flauta de Mestre Copinha, ao universo grandioso de Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, ao quinteto de Radamés Gnattali e à extinta Camerata Carioca, nascida em 1979, nas comemorações dos 10 anos de desaparecimento de Jacob do Bandolim. Hoje muita coisa está no YouTube ou no Google.

Desde aquela época, há quase dez anos, nunca pude mostrar um dos programas mais importantes que produzi e apresentei na ex-TVE, um “Água Viva” de 1977, com a pianeira Tia Amélia do Jaboatão, tocando ao lado do então nascente grupo de choro Os Carioquinhas. Vamos lá encontrar Mauricio Carrilho, Luciana Rabello, além de um menino de14 anos chamado Raphael Rabello (1962-1995). Era um prenúncio da Escola Portátil.

Quanto valeria esse programa? Quanto você pagaria para ser apresentado àquele momento de absoluta magia? E, pergunta principal, porque não reprisam aquele “Água Viva” (e tantos outros, que eternizaram encontros igualmente importantes?).

Gustavo Gruta, guardem esse nome que afetivamente chancelamos apenas como Gruta e que, segundo ele, de alguma forma iniciou sua carreira de diretor teatral com o espetáculo “Onomatopéia Não é Palavrão”, que está finalizando temporada no Centro Cultural Banco do Brasil. O “Onomatopéia” nasceu de um concurso de monografias instituído pela Oficina de Coisas, e que resultou na edição de um livrinho (ou opúsculo, se preferirem). Mas que prefiro mesmo chamar de resíduo cultural, porque um programa ou evento que não gere um resíduo (livro, um programa, vídeo etc.) não se eterniza. E o nosso Gruta quer fazer um evento comemorativo dos 10 anos da Escola Portátil de música, da qual é aluno de canto da professora Amélia Rabello (não por acaso, irmã de Raphael) – e dei-lhe a sugestão de procurar uma cópia daquele “Água Viva”. Juntando aquelas imagens a outras – em que surge a Camerata Carioca acompanhando Radamés, Caymmi, Elizeth –, ele teria um belo perfil de alguns professores responsáveis pela Escola.

E aí surgiram os óbices. A fita existe, está engavetada e nunca foi recuperada, apesar dos recur$os que a Petrobrás teria disponibilizado para os trabalhos de recuperação técnica do preciosíssimo acervo da ex-TVE.

Os subsídios colhidos abaixo dizem bem da situação daqueles acervos. A TVE alega que não tem máquina Quadruplex para rodar aquelas fitas, enquanto a TV Cultura – embora ameaçada por José Serra de desaparecer do mapa – parece cuidar melhor de seus acervos. A existência ou não de máquinas Quadruplex e U-matic está mais explicitada nos subsídios que agrego a esta crônica um tanto indignada. 

Finalizo dando uma colaboração, porque minha natureza é propositiva: que a TVE faça um convênio com algumas das emissoras que ainda possuem Quadruplex e recupere as fitas que estão apodrecendo em seus armários, “devolvidas ao anonimato”, como gosto de enfatizar.

Para isso é necessário vontade política e competência administrativa. Conveniar com quem possui essas geringonças. Em nome da salvação da chamada Memória Nacional, essa desmiolada senhora que, volta e meia, é lembrada às esperas das eleições.

Temos aí um novo governo eleito pelo povo. Essa questão nunca foi discutida nos debates a que assisti. Cultura, matéria secundária. Memória Nacional, que bobagem!

Lembro que mandei uma carta para o Lula, tão logo ele foi eleito. Não tiraria uma virgula, se a reenviasse (1)  para a presidente Dilma. Ou presidenta, como ela parece preferir . No Eça de Queiroz encontramos “generala”.  Não faz muita diferença, desde que ela cumpra suas promessas.

Sergio Cabral pai e eu somos Conselheiros Master do Museu da Imagem e do Som. Faço aqui um desafio ao jornalista e pesquisador Hugo Sukman, que responde pela Fundação Roberto Marinho, patrocinadora do magnífico prédio que abrigará o novo MIS. Mesmo apelo à Rosa Maria Araújo, diretora do MIS. Igual apelo ao governador Sergio Cabral, unha-e-cuticula como o (ainda) presidente Lula. Presidente, dê uma cochichada no ouvido do ministro Franklin Martins, para que libere esses trabalhos que poderiam ser conveniados com a Globo ou com quem mais tivesse as tais Quadruplex.

Bem, acabo de cumprir meu papel nessa discussão com a pergunta renitente. Quanto vale um minuto de Pixinguinha, Jacob, Aracy de Almeida, Abel, Copinha, dos Carioquinhas, da Camerata acompanhando Radamés e Elizeth? 

Não contrataram mestres-calceteiros lusitanos para recuperar nossas pedrinhas portuguesas, quase todas desniveladas em todos os cantos da cidade? Não precisamos mandar essas fitas lá para fora. Conveniar, essa a solução. 

Leiam os subsídios abaixo, e tirem suas conclusões.

Em 6 de novembro de 2010 22:06, Gustavo Guenzburger (Gruta) escreveu:

Oi Hermínio,

Parece que aquela lista que você me mandou das fitas já recuperadas inclui grande parte do acervo em U-matic. A parte em Quadruplex é que está totalmente parada, esperando outro patrocínio. Muito louco este esquema cultural atual, onde para recuperar um patrimônio público, uma empresa estatal como a TVE tem que submeter um projeto a uma empresa de capital particular ou misto, para usar um dinheiro que é 100% estatal, que é a grana via lei Rouanet. Com a mudança da Lei (que está sendo negociada há 4 anos e agora deve sair), espero que isto mude, que esta via seja mais direta. Já que o dinheiro é do governo, devíamos poder pedir diretamente ao governo, de maneira pública e transparente. Um dia será assim. Vamos torcer para que nossas fitas, rolos, filmes jornais, fotos, revistas, etc não apodreçam antes disso.

Abraço, 
Gruta

Do Celso Taddei, texto que por si só explica suas boas intenções :

Olá, amigos, com licença, boa noite.  (Hermínio, só pra explicar minha invasão repentina em meio a seus imeios: quem lhes escreve é o Celso Taddei, que trabalha com o Gruta no projeto da EPM – aliás, é um grande prazer falar, mesmo eletronicamente, com você!)  Bom, ocorre que consegui algumas informações – não muito animadoras, sinto dizer - a respeito da recuperação das nossa fitas. Até onde eu soube, existem apenas duas máquinas leitoras de quadruplex no Brasil . Uma é da Cultura e a outra é da Globo. Até o Arquivo Nacional, quando assume projetos para digitalizar filmes desse formato (como fez recentemente com o acervo da TV Tupi) busca parceria com uma dessas duas empresas. Assim, as máquinas são bastante solicitadas e costumam estar sempre ocupadas. Mas o maior problema é o custo. Como se trata de material antigo – e em geral maltratado pelo tempo e pelo armazenamento descuidado – antes de ser colocada na máquina, uma fita quadruplex precisa passar por todo um processo de limpeza e higienização. Ou seja: requer mão de obra especializada, mais algum equipamento, um ou outro material, e verba, verba e mais verba. Como eu disse, essas foram apenas as primeiras informações que levantei com gente que trabalha na área. Hà chance de não estarem corretas, da coisa ser mais simples, de existirem outras máquinas (lembrei, por exemplo, do Instituto Moreira Salles – escrevi pra Bia (Paes Leme)  e estou no aguardo...)  Vou continuar assuntando e entrar em contato com o setor de digitalização lá da Globo. Qualquer (boa) novidade, grito. Por enquanto, infelizmente, é isso. Não há nada perdido, mas parece que a briga vai ser boa. Fortes abraços - e vamos em frente!
Celso

 Vamos a um e-meio enviado por mim para o Gruta :

Sent: Saturday, November 06, 2010 6:47 PM
Subject: Re: Fw: Carioquinhas e Tia Amélia do Jaboatão - Água Viva na TVE - 1977

Meu Gruta,

A Globo tem uma Quadruplex, e parece que a TV Cultura tb. Talvez a Record, quem sabe?

O que me deixa muito triste é essa informação enganosa que a ex TVE vem passando para a imprensa, de que seu acervo está sendo recuperado.

Claro que, se houvesse disposição política, essa situação já teria sido resolvida. Até porque, se existem recursos, por que não terceirizar essa recuperação? Quanto vale um minuto de Pixinguinha, de Tom Jobim, de Clementina, de Carlos Drummond de Andrade?

A TVE remunera mal seus funcionários, e sua grade de programação está empobrecida.O que o Ministério das Comunicações quer mais? Já falam na extinção da Tv Cultura.

Parte do acervo que consegui preservar, penso que teria melhor destino o You Tube ou a Google. Melhor do que deixar apodrecer a memória, engavetá-la.

Em qualquer país civilizado do mundo, surgiriam mecenas com grana para buscar as máquinas lá fora (elas existem, sim). Ou então fazer um convênio com quem as possui. O certo é que parte do acervo está em Umatic, e outra em Quadruplex.
  
Um abraço do velho

Herminio

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Um mergulho na voz de Doris Day


Sempre tive paixão por Doris Day.

Por ela e pela Esther Williams, por motivos diversos. Esther megulhava nas piscinas, Doris nas palavas, no canto límpido, igual à Zezé Gonzaga.

Compartilhem comigo essa re-descoberta.
Procurem um saite qualquer que fale da Doris, ouçam-na cantar.
Que coisa bonita! Que coisa bonita! Que coisa bonita!
Os fanáticos por jazz a odeiam, por ser branca e loura - assim como Peggy Lee.
Esse fanatismo me cheira danoso.
Enfim...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Meu voto em Dilma

Aldir Blanc me telefona, advertindo para os rumos de satanização da campanha presidencial. Confesso que, na hora, não me dei conta da gravidade da advertência. Eis o texto que ele divulgou na internet.

Comprei o “Dicionário analógico” prefaciado por Chico Buarque, que agora divide prateleira com o de “Idéias Afins”, do xará Hermínio Sargentim. (Aliás, preciso recomprar o “Mèrde, Dictionaire des Injures” – um presente de meu querido Turíbio Santos e que redestinei a outro amigo querido, o poeta Carlos Drummond de Andrade). Fui também ao “Dicionário Etimológico”, do Antonio Geraldo Cunha.

Essa procura se deve à capa da “Veja” desta semana. Nela, a figura da candidata Dilma Rousseff surge diagramada de forma não muito original: a mesma foto aparece duplicada, mas em sentido oposto. Na parte de cima, em fundo vermelho, uma declaração da candidata sobre aborto. Na inferior, a mesma foto, inversa, sobre fundo branco, com outra opinião da mesma candidata a respeito do tema polêmico.

Senti ali, na hora: eis a mão peluda da direita mais conservadora expondo suas garras, suas unhas sujas.  O fundo vermelho da parte superior me remete ao satanismo – sempre foi assim, desde a infância. A analogia se faz óbvia, pelo menos para mim. Deixei de investigar nos dicionários a clarificação exata do que seria satanismo. Mas a intenção da revista está ali, tão às claras, que dispensa qualquer dicionarização.

Não preciso esperar de Marina Silva a declaração de voto que fará para os dois candidatos à presidência, ou à possível abstenção de voto, liberando seus vinte milhões de eleitores para seguirem suas consciências.

Mais uma vez, é a voz da hipocrisia que fala mais alto. A palavra aborto é maldita, e assim também se evita falar sobre drogas, sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo, temas que em outros paises menos subdesenvolvidos são abertamente discutidos – embora, sei lá, deva encontrar alguma resistência das elites conservadoras, das igrejas, ou das pessoas que simplesmente não desejam participar da questão. E respeite-se, pois, esses abstinentes. Faz parte do discurso democrático respeitar as opiniões ou a falta delas.

O que me fez votar em Marina Silva no primeiro turno foi exatamente a postura arrogante de parte dos seguidores de Dilma Rousseff, e dela mesmo, que pareciam ungidos pela vitória nas urnas, antes mesmo que elas abrissem suas bocarras. Foi um pito, um “preste atenção em seu nariz empinado”, foi uma forma democrática de dizer que votaríamos nela sim, desde que descesse de seu salto alto – e que o voto em Marina, candidata de postura fascinante, era nossa forma de dizer que existem outras maneiras de se disputar uma eleição.

Uma delas, agora, está expressa na nojenta capa da “Veja”. É uma forma de se desviar de discussões mais objetivas como saúde, educação, cultura, saneamento, planejamento familiar, etc. e tal.

Não preciso aguardar a decisão de Marina Silva para declarar meu voto em Dilma Rousseff. A mão peluda que diagramou a capa da revista “Veja” é claro que me assusta.

Mas foi uma forma clara de nos deixar atentos às manobras da direita. 

Hermínio Bello de Carvalho

PS. Hugo Carvana e outros artistas nos convocam para encontro no Teatro Casa Grande, dia 18/10. Estarei lá.


"Nós, que no primeiro turno votamos em distintos candidatos e em diferentes partidos, nos unimos agora para apoiar Dilma Rousseff.
Fazemos isso por sentir que é nosso dever somar forças para garantir os avanços alcançados. Para prosseguirmos juntos na construção de um país capaz de um crescimento econômico que signifique desenvolvimento para todos, que preserve os bens e serviços da natureza, um país socialmente justo, que continue acelerando a inclusão social, que consolide, soberano, sua nova posição no cenário internacional.
Um país que priorize a educação, a cultura, a sustentabilidade, a erradicação da miséria. Um país que preserve sua dignidade reconquistada.
Entendemos que essas são condições essenciais para que seja possível atender às necessidades básicas do povo, fortalecer a cidadania, assegurar a cada brasileiro seus direitos fundamentais.
Entendemos que é essencial seguir reconstruindo o Estado, para garantir o desenvolvimento sustentável, com justiça social e projeção de uma política externa soberana e solidária.
Entendemos que, muito mais que uma candidatura, o que está em jogo é o que foi conquistado.
Por tudo isso, declaramos, em conjunto, o apoio a Dilma Rousseff. É hora de unir nossas forças no segundo turno para garantir as conquistas e continuarmos na direção de uma sociedade justa, solidária e soberana. "
O texto será entregue no Casa Grande, dia 18, às 20 hs.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Nem cabe explicação

O encontro de Hermínio e Clementina de Jesus em 1984.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Coisa de doido

Hermínio Bello de Carvalho from FLi Multimídia on Vimeo.


“Fazer arte é uma coisa para doido, para maluco e eu aconselho a loucura total. Por favor, eu quero a insanidade dessa área.” É o que diz Hermínio ao site Produção Cultural no Brasil. Para saber mais sobre o projeto, clique AQUI.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

20 anos sem Elizeth



Hermínio participa do programa "Arquivo N", da Globonews, em lembrança aos 20 anos de morte da cantora Elizeth Cardoso. Clique AQUI para assistir.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A meninada de Acari

Ainda estou sob o impacto do meu encontro com a meninada do Centro de Ópera Popular de Acari. Foi no Centro Cultural Banco do Brasil, onde foi apresentado o "Onomatopéia Não é Palavrão". Lendo as avaliações que a garotada fez do espetáculo, ampliei a certeza de que é necessário fixar uma política permanente de formação de novas e jovens platéias.

Hermínio e Pedro Amorim com a turma de Acari

O CENTRO DE ÓPERA POPULAR DE ACARI oferece aos moradores do Parque Colúmbia, Acari e adjacências oficinas de balé clássico, música, fotografia e a Casa de Leitura  – uma biblioteca comunitária que oferece oficinas de incentivo a leitura, passeios a bienais, salão do livro e outras atividades).
O Centro atende mais de 2.200 crianças, jovens e adultos que, de segunda a sábado, despertam e desenvolvem gratuitamente seus dons e suas potencialidades.

domingo, 26 de setembro de 2010

Meu voto vai para o Buraco Quente

Era um hábito: pegar o carro e levar meus amigos ao Buraco Quente, na Mangueira. Antes, passava pelas casas de Cartola e Zica, de Neuma e também na de Carlos Cachaça e Menininha, arregimentava aqueles amigos e íamos nos fartar de alegria na Birosca da Efigência do Balbino, no Buraco Quente.

Há uns anos (mais de 10 e menos de 15) um amigo meu me fez cumprir a promessa de levá-lo a um lugar que, por minha causa, povoava seu imaginário. Passei pela casa de Neuma e tentei convencê-la a nos acompanhar naquela visita. Ela relutou, melhor seria pedir umas cervejas e ficar por ali mesmo, e achei estranho. Mas, enfim, sou tinhoso quando boto uma idéia na cabeça, e acabei enlaçando minha amiga e lá estamos nós três bebendo uma geladinha. Eis que olho para meu amigo e o vejo com os olhos esbugalhados. Foi quando me dei conta da meninada que passava com armas ensarilhadas, uma juventude dominada pelo tráfico, e aí entendi a relutância de Neuma em nos acompanhar. Ela apenas sussurrou para meu amigo Alecir: “meu filho, finja que não está vendo”.

O mesmo hábito eu guardava para amigos de fora: levá-los para conhecer a casinha de vila que habitei na infância. Subia pela Hermenegildo de Barros, ia direto pra rua Aarão Reis e embicava o carro pro Beco Ocidental. Era o menino que voltava ao seu parque de diversões. Em frente, numa imponência cheia de estranhezas, ficava um então sossegado Morro da Coroa. Há pouco tempo, naquelas imediações, meu amigo, o teatrólogo Vicente Maiolino, foi brutalmente assassinado. 

Fui envelhecendo, perdendo meus amigos queridos, e nunca mais voltei à minha Escola de coração: aquela que, vista do alto, mais parecia um céu no chão, ele coberto de esmeraldas.  Alvorada lá no morro, que beleza!? Nunca mais.

Meus 75 anos de vida eu os passei no Rio de Janeiro, e nunca sonhei em sair daqui. Tenho uma amiga querida que foi obrigada a sair de sua casa, nas imediações da Mangueira, porque sua rua foi tomada pelo tráfico. Ela, com filho pequeno, não quis se arriscar.

Moro num bairro relativamente  tranqüilo, onde me dedico a plantar lírios-da-paz nos canteiros mal tratados pela prefeitura e a advertir aqueles que insistem em não recolher as fezes de seus cachorros, indiferentes aos deficientes físicos que transitam por ali. Algumas pessoas ainda estranham em ver aquele idoso catando lixo nos canteiros. Mas  acabam aderindo à iniciativa.
 Integrantes da Escola Portátil de Música

Ontem fui me encontrar com o pessoal da Escola Portátil de Música na Taberna da Glória, que foi meu refúgio nas décadas de 50 a 70. Naquela época morava na Beco do Rio, hoje extinta, que ficava a poucos metros da antiga Taberna onde bebi com Araci de Almeida e Ismael Silva, e onde Mário de Andrade se encontrava com a fina flor da inteligência carioca – inclusive a própria Araca.  

A Escola Portátil e o Instituto Jacob do Bandolim estão comemorando dez anos de existência! De alguma forma, muitíssimo modesta, estimulei meus amigos a concretizarem seus sonhos. Tive o cargo de conselheiro naquelas duas casas e me afastei quando fui nomeado para o Conselho Estadual de Cultura – então presidido por minha querida amiga Ana Arruda Callado. Me demiti do Conselho quando vi que um manifesto que assináramos não tivera a menor ressonância na imprensa do país. Protestávamos contra a ausência de uma política cultural por parte de um ministério que desde a ascenção do Fernando Collor perdera sua expressividade. 

Tenho acompanhado as ações das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), voltadas  para algumas comunidades dominadas pelo tráfico. Os resultados são claros na maioria delas: não ver aquela multidão de trabalhadores afrontada por armamentos bélicos,  saber que equipamentos culturais e sociais estão sendo montados com o objetivo de resgatar o direito de cidadania conspurcado pelas milícias – a tudo isso some-se a alegria de ver que nossa Escola Portátil de Música (800 jovens que estudam, discutem e tocam Pixinguinha, Anacleto, Tom Jobim) ganhou enfim uma sede. Ela fica na rua da Carioca, perto da Praça Tiradentes.

Num voto de confiança ao Governo do Estado que busca um segundo mandato, estou doando todo meu acervo ao novo Museu da Imagem e do Som (MIS). Espero que, no próximo mandato, seja dada mais atenção aos bordões que vivo apregoando por aí – a cultura tem que circular. Há que reabrir as portas do Teatro João Caetano para um projeto similar ao Seis e Meia, criado por Albino Pinheiro. Que o futuro Ministério da Cultura saia de sua letargia e abra o mercado de trabalho para os músicos brasileiros, recolocando na estrada o (criminosa e covardemente) extinto Projeto Pixinguinha. Há que levar para essas UPPs as tantas jovens orquestras (Furiosa Portátil, Leviana, Imperial) que estão soltas por aí. Aliás, um passo já foi dado pela Secretaria de Cultura: jovens professores da Escola Portátil estão atuando em Manguinhos. Meu voto para governador vai para Sérgio Cabral.
 
 Senadora Marina Silva

Meu voto para presidente vai para Marina Silva, embora saiba que o cargo será ocupado por outra mulher, de quem espero um olhar mais incisivo para a educação e a cultura, tão maltratados nesses últimos anos. Concordemos que com estomago vazio ninguém consegue ir à escola. Estratificada uma política que não seja meramente assistencial, que se dê ao povo o direito de exercer sua cidadania, a de ser um brasileiro sem medo de ir aos lugares que povoaram sua infância e juventude, e que muitas escolas portáteis ( que são verdadeiras UPPs culturais) proliferem pelo país afora.

Antes de terminar, uma denúncia: querem acabar com a TV Cultura, ou reduzi-la à mesma desimportância da ex-TVE, hoje TV Brasil. 

Em tempo: não exerço nenhum cargo público, vivo da minha aposentadoria e de meus parcos direitos autorais.

Sim, há que lembrar: a heróica Amar-Sombrás está fazendo 30 anos de existência. Que saudades de Mauricio Tapajós!

E que São Pixinguinha nos inspire e proteja na hora de votar.

Hermínio Bello de Carvalho 

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Carlos Drummond de Andrade e Hermínio Bello de Carvalho na TV Cultura


Neste domingo (05/09), às 21h30, o programa "Entrelinhas" (TV Cultura) exibe uma entrevista que o jornalista Manuel da Costa Pinto fez com Hermínio Bello de Carvalho sobre o novo livro do poeta e compositor. O volume "Àporo", que será lançado neste mês pela editora Imprensa Oficial, reúne as cartas, bilhetes e poemas trocados entre Hermínio e Carlos Drummond de Andrade ao longo de 30 anos.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A nova sede da Escola Portátil de Música


Que se noticie: a Escola Portátil de Música ganhou uma sede, na Rua da Carioca, Rio de Janeiro. Quase em frente ao centenário Bar Luiz, próximo do lindo cinema Ritz. Será  vizinha de um ex-cinema que ainda ostenta o esqueleto de uma engrenagem que movia o teto retrátil da esplendorosa sala, teto que era bastante utilizado na época do verão.

A Escola Portátil hoje abriga mais de 800 alunos que sabem tudo sobre Pixinguinha, Tom Jobim, Anacleto, Radamés Gnattali, Chiquinha Gonzaga, Guinga. Sabem e tocam. E depois de alunos, viram monitores – e aí então, passam a ser oficineiros. Uma parte deles está agora em Manguinhos, atuando num projeto social. Acho que fariam bonito ensinando música às comunidades carentes que já foram ocupadas pelas UPPs (Unidades Policiais Pacificadoras), com um novo conceito de erradicação do tráfico armado e das milícias que tomaram conta de nossas favelas, cuja ocupação maciça é feita pela massa operária.

Aprendi com uma querida amiga a ter um olhar que contemple os dois lados das criaturas bem como das situações que elas criam. “Há sempre um lado bom em qualquer história”, tenta me seduzir. Falo de Heloisa Lustosa, filha de Pedro Aleixo, único dos ministros a não colocar sua assinatura no maldito AI-5. Católica fervorosa, era presidente do Museu de Arte Moderna em pleno regime militar, e sabe o quanto penou ao nos ceder uma salinha para a instalação da Sombrás. Tachados de subversivos (e tentávamos sim subverter a situação imoral que assolava os direitos autorais no Brasil), sempre tivemos sua amiga mão amiga sobre nossos ombros. 

De uma certa forma, fez-me tornar menos vesgo e radical para uma figura particularmente polêmica da política brasileira: Carlos Lacerda. Atenuo meu horror àquele homem público sempre que atravesso o aterro do Flamengo, e me vejo diante da esplendorosa Baía de Guanabara, e diviso dois símbolos de minha cidade: o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor. Lacerda era um visionário que amava sua cidade.
Infelizmente, ainda não consigo ser complacente e generoso com esse Ministério da Cultura que aí está aí. Faço coro aos meus ex-colegas do Conselho Estadual de Cultura: não existe uma política cultural emanada por aquele Ministério. Se a Escola Portátil tornou-se um Ponto de Cultura (um dos programas do MinC), também o Jongo da Serrinha ganhou o mesmo beneficio – mesmo tendo encerrado suas atividades sociais.

E a nossa classe, agora, é convocada para uma reunião com o referido Ministro. O convite é explícito: apenas para compositores, intérpretes. Nada de representantes das entidades que administram nossas vidas. Isso exclui Paulinho César Pinheiro (que é diretor da Amar-Sombrás), e inúmeros compositores que fazem parte da diretoria de outras associações, como é o caso de Fernando Brant e Ronaldo Passos, para ficarmos apenas em dois exemplos. 

Ao lixo as TVs culturais e educativas. Ou: Cultura virou palavrão


O lado ruim de se sobreviver tanto tempo do lado de cá onde me sinto tecnicamente vivo, é que, fora as novas tecnologias (e sobretudo a Internet) tudo parece repeteco. Reprise de filme ruim, a que fomos obrigados a assistir outras vezes.

Lembro, e aos 75 anos há muito que recordar, alguns episódios que marcaram minha vida. O golpe militar de 64 havia colocado suas botas, bordunas e carabinas dentro da Rádio Nacional, promovendo uma degola sem precedentes na história daquela emissora. Lembro de um querido amigo, o modinheiro Paulo Tapajós, que era um dos diretores da rádio. Ele, irônico, desmentia que o animador César de Alencar (um talento fabuloso na área de comunicação) fosse um dedo-duro. Segundo Paulo, César apontava com o beiço, para a junta militar instaurada, os chamados elementos subversivos. E eles eram imediatamente ceifados. César não era, portanto, um dedo-duro na acepção completa do termo, mas um beiço duro.  

Quando Fernando Collor surgiu no panorama político brasileiro como candidato à Presidência da República na década de 90, sua plataforma de governo era uma luta acirrada contra a corrupção e uma caça aos chamados “marajás”, uma casta que nunca deixou de proliferar, tal e qual as gigóias que volta e meia provocam a mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas (vivo no Rio de Janeiro), causando um mau cheiro indescritível. Ora meu Deus, que ninguém se esqueça: ao vencer as eleições, uma das primeiras medidas de Collor foi vingar-se da classe artista que o rejeitou nas urnas. Desmontou o Ministério da Cultura. Naquela época, 1990, vaticinei: essa merda vai demorar uns 20 anos para ser consertada.

Errei no prognóstico: quatro anos de Sarney, oito de Fernando Henrique Cardoso e mais oito de Lula só fizeram confirmar que cultura era lixo, palavrão, matéria-prima abjeta e de pouca serventia. No máximo, moeda de barganhas políticas. O Ministério de Cultura, como bem proclama o Ziraldo, não apresentou nenhuma política cultural nesses últimos 16 anos. A não ser, como é notório, acabar com o Projeto Pixinguinha e outros programas culturais desenvolvidos a partir da gestão Aloysio Magalhães.  

Lembro, e continuo lembrando, dos tempos da Rádio MEC quando lá a ditadura se instalou. A discoteca foi toda desmontada, o pessoal que ostentava idéias contrárias era sumariamente colocado no olho da rua. Inclusive eu, que movi ação contra emissora em plena ditadura militar, ação que tramitou durante 25 anos, findo os quais venci a questão.

Mesma situação viveria quando chegou Fernando Collor, e fui colocado em disponibilidade, mesmo estando em pleno exercício de minhas funções de produtor na TVE.

Quando leio a nota que vai abaixo, é natural que me sobrevenha uma onde de arrepios. É a reprise de um filme que já conheço.  Quando a TVE foi sucateada, para dar lugar à anódina TV Brasil, havia também a promessa de manutenção de seus recursos humanos.

Vamos lá, abrindo parênteses:

Novo presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, o economista João Sayad se reuniu ontem com cerca de 50 funcionários das produções da emissora. Sua intenção era acalmar ânimos, depois das notícias sobre as mudanças em curso na casa, com a extinção de programas e demissões de profissionais.
Sayad ouviu o que não queria. Dos produtores de Login, tomou uma lição. Eles reclamaram que ficaram sabendo que o programa será extinto por meio do jornal O Estado de S.Paulo, o que acharam uma falta de respeito. "Nunca vi uma coisa dessas", protestou um dos profissionais. Sayad teve de admitir que "falhou na comunicação".
Os produtores de Login também questionaram o fato de o programa ter sido extinto com apenas quatro meses de existência e sem nenhuma tentativa de mudança.
No encontro, o presidente da Cultura confirmou que vai "descontinuar alguns programas", aumentar a importação de conteúdo e reduzir o espaço da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo).
Uma educadora reagiu. Lembrou Sayad do passado glorioso das produções infantis da emissora. "Você pretende acabar com todos os prêmios que a TV Cultura já ganhou", disse ela.
Um momento foi especialmente constrangedor. "Você é um homem de planilha, um homem de máquina de calcular. Nós construímos sonhos. Entre o seu plano e as realizações desse senhor, nos ficamos com esse senhor", disse um funcionário, apontando para Fernando Faro, criador do prestigiado Ensaio. O funcionário foi aplaudido.” (FONTE: Blog do Daniel Castro)

Fico imaginando a dor e a tristeza de Mestre Fernando Faro, um dos ícones da televisão cultural-educativa, que com seu programa “Ensaio”, praticamente reconstituiu parte da memória musical brasileiro na área televisiva. Volto a 1964, e compareço a uma assembléia no auditório da Rádio Nacional, o cantor Black-Out aos prantos, se insurgindo contra aquela ignomínia.
Continuemos:

A Fundação Padre Anchieta divulgou nota oficial no início da tarde desta quarta-feira (4), posicionando-se em relação à notícia deste blog de que a TV Cultura irá passar nos próximos meses por um processo de reestruturação em que poderão ser extintos vários programas e demitidos até 1.400 dos cerca de 1.800 funcionários da emissora.
A nota oficial não nega as informações publicadas pelo blog. Não fala em demissões ou enxugamento da produção própria. Mas anuncia um processo renovação da TV Cultura, porque a emissora "perdeu audiência, qualidade e se tornou cara e ineficiente".
Leia a íntegra da nota:
"Em face às recentes notícias publicadas sobre a TV Cultura, informamos que:
A TV Cultura é patrimônio querido dos paulistas e brasileiros, com um acervo de ótimos programas e vários artistas e jornalistas de sucesso que começaram aqui, mas que precisa se renovar. Perdeu audiência, qualidade e se tornou cara e ineficiente.
Esta é a proposta de renovação que a Administração levará ao Conselho da Fundação Padre Anchieta: a revitalização dos programas admirados, a modernização dos processos administrativos, bem como dos equipamentos, e contando com os talentos que a emissora possui e com a contratação de novos apresentadores e jornalistas". (FONTE: Blog do Daniel Castro)

A conferir. E abrindo novo parênteses :

Ex-secretário de Cultura do Estado de São Paulo, João Sayad assumiu a presidência da TV Cultura em junho com a missão de reduzir a TV pública paulista a uma simples TV estatal. Com o aval do ex-governador José Serra e do atual governador, Alberto Goldman, Sayad pretende reduzir ao máximo a produção de programas e cortar o número de funcionários em quase 80%, dos atuais 1.800 para 400.
Sayad pensa até em vender o patrimônio da TV Cultura. Já encomendou aos advogados da emissora um estudo sobre a viabilidade de a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV, se desfazer de seus estúdios e edifícios na Água Branca, em São Paulo.
Em reuniões com diretores da emissora, Sayad tem dito que a Cultura não precisa ter mais do que 400 funcionários, que ficariam, segundo ele, muito bem instalados em um andar de um prédio comercial. A postura evidencia que a TV Cultura deixou de ser uma questão de política pública. Passou a ser um "pepino", um problema a ser eliminado pelo governo do Estado.
Fontes ouvidas pelo blog informam que Sayad vive dizendo que irá transformar a Cultura, hoje produtora de programas, em uma coprodutora. Ou seja, ela deixará de produzir programas de entretenimento. Passará a encomendá-los a produtoras independentes e a comprá-los no mercado internacional. Atrações como o Metrópolis podem estar em seus últimos dias.
O jornalismo da Cultura deixará de investir no noticiário do dia a dia, caro e mais bem produzido pelas redes comerciais. A partir de setembro, o Jornal da Cultura, com Maria Cristina Poli, passará a ser um jornal mais de debates, de discussão sobre o noticiário, do que de notícias.

Corte de receitas

A TV Cultura tem hoje um orçamento de cerca R$ 230 milhões. Desse total, R$ 50 milhões vêm da venda de espaço nos intervalos dos programas para anunciantes privados. Outros R$ 60 milhões são oriundos da prestação de serviços, como é chamada na emissora a produção de programas e vídeos para instituições como o Tribunal Superior Eleitoral, a Procuradoria da República, a TV Assembleia (do Estado de S.Paulo) e a TV Justiça.
Pois a gestão de Sayad já iniciou o desmonte dessas duas fontes de recursos. Até o ano que vem, a TV Cultura não terá mais nenhuma publicidade comercial em seus intervalos nem produzirá mais programação para órgãos públicos (a publicidade institucional, irrisória, será mantida). Dessa forma, reduzirá uma boa parte do seu número de funcionários.
Se o plano for executado, a TV Cultura sobreviverá apenas dos R$ 70 milhões que o governo do Estado aporta diretamente todos os anos, além de outros R$ 50 milhões que ela recebe pela produção de conteúdo para as secretarias estadual e municipal de Educação.
O plano de demissões de Sayad é mais complexo. Por causa das eleições de outubro, ele não pode demitir funcionários contratados em regime de CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) até dezembro. A Cultura tem entre 1.000 e 1.200 funcionários celetistas. Esses trabalhadores têm emprego garantido até janeiro. Depois, dependem da postura do novo governador do Estado. Para demitir funcionários celetistas, Sayad precisará do apoio do futuro governador, porque terá de contar com verbas extras para pagar as indenizações.
Já os profissionais contratados como pessoas jurídicas (os PJs, pessoas que têm microempresas) podem ser "demitidos" a qualquer momento. Eles seriam de 600 a 800. Os cortes devem ser feitos à medida que contratos de prestação de serviços, como o da TV Assembleia, forem vencendo e não renovados.
O blog tentou ouvir o presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, sobre as mudanças que ele pretende implantar na TV Cultura. Na última segunda-feira, por meio da assessoria de imprensa da emissora, pediu uma entrevista. Ontem à tarde, a TV Cultura informou que Sayad não falaria com o R7.
As informações aqui publicadas foram relatadas previamente à assessoria de imprensa da TV Cultura. Nada foi negado. (FONTE: Blog do Daniel Castro)

Concluindo: a cultura vive um de seus piores momentos. O Ministério que deveria propor políticas culturais, na verdade utiliza subterfúgios como, por exemplo, discutir uma nova Lei dos Direitos Autorais, justamente nos minutos finais do segundo tempo do jogo, ou seja, no final de um mandato ministerial que exatamente não primou por ações exemplares. Vide a crise na Funarte. A TVE, que recebeu polpudas verbas da Petrobras para recuperar seu acervo de fitas, recolocou nas prateleiras o material digitalizado, devolvendo-o ao anonimato.
A Cultura não circula. O mercado de trabalho não oferece muitas alternativas nem para os artistas e nem para o público. Não vemos nenhum candidato à Presidência pronunciar-se sobre matéria que, presumo, é para eles muito indigesta.
Cultura, nos últimos tempos, virou palavrão.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Aldir Blanc e Jota Efegê: o milagre

No belo “Conversa sobre o tempo” (Ed. Agir), num bate-papo conduzido por Arthur Dapieve, os Mestres Luis Fernando Veríssimo e Zuenir Ventura conversam sobre a morte, no capítulo final do livro. Sendo um neurótico compulsivo, claro que o assunto me conduziu a vôos delirantes, a mil devaneios, quase todos mórbidos. Mas costumo driblar esse assunto com algum bom humor. Explicito sempre aos meus interlocutores que sou uma lápide ambulante, e que estou apenas tecnicamente vivo. E mais: ao ler meus laudos médicos, nas entrelinhas descubro atestados de óbito, antevejo obituários, ouço a marcha fúnebre de Chopin, nunca sei se o médico falou em diagnóstico ou prognóstico e se realmente me perguntou, sem sutilezas, se já consultei as cartas do tarô para saber as novas mazelas que estão a caminho.

Faço esse prolegômeno em função de um longo telefonema de meu poeta Aldir Blanc, tão hipocondríaco quanto eu. Desfilei, para afrontá-lo, uma listagem de minhas enfermices (4 stents, câncer na mama, redução acelerada de meus poucos neurônios) e, finalmente, a doença chave: labirintite. Na disputa pelos piores resultados, desfilamos vertigens, surtos psicóticos, ameaças de desmaio – e confesso que perdi a parada quando Aldir me anunciou que, além do mais, alcançou um pique de 500 pontos (ou que nome técnico isso possa ter) em sua taxa de açúcar. Ou seja: sentiu-se também personagem do capítulo derradeiro do “Conversa sobre o tempo”, pois a foice da morte o Poeta a viu de perto, zunindo aos ouvidos. E que, por conta dessa altíssisma taxa de açúcar, viu-se ameaçado de quase cegueira. Ler? Nem pensar!, avisou o esculápio. Assistir aos jogos da Copa, vendo 44 jogadores disputando as 4 bolas, que tentasse. Tentou, e deu-se mal.

O desespero tomou conta do Poeta, ex psicanalista. E como o papo era entre dois amigos, sugeri que o assunto daria uma boa crônica – e ele me autorizou a relatar a experiência que narro agora. Há alguns anos, num texto muito bonito, o Aldir comentava um dos aspectos da minha personalidade um tanto mórbida, o de colecionar lembranças de meus amigos mortos: um vestido de Dalva de Oliveira (depois doado à Alaíde Costa), louças e faqueiro de Elizeth Cardoso adquiridos em leilão, e que hoje estão à mesa de Elenice e Helton Altman, além de uma gravata do Tom Jobim, diversas trapizongas herdadas de Jacob do Bandolim, um latifúndio de quinquilharias que, para não mais me alongar, acolhia também as famosas gravatinhas brabuletas de nosso amado cronista Jota Efegê, e um par de óculos do Mestre, que destinei, por direito, ao meu querido Aldir. Isso há muitos e muitos anos.

O cronista Jota Efegê, de óculos e gravata 'brabuleta',
bebendo no Zicartola, em 1963

Se houver mistifório, balela, landuá, aldrabife, pulha, relambóia no que em seguida vos conto, não me pespeguem o rótulo de loroteiro. E Aldir, ressalvo, seria incapaz de pregar mentirolas, contar vantagens, prestar falso testemunho.

– Cadê os óculos do Jota Efegê? – E Aldir, quando se destempera, sai de perto.

O brado ecoou pela casa, pelas vizinhanças, adentrou no bar de Dona Maria, rebimbou no gramado do Maracanã, alcançou todas as cercanias do bairro tijucano habitado pelo nosso poeta, colocando a família Blanc (aí incluído, presumo, seus netos) num alvoroço invulgar. Desconheço se o Mello Menezes foi convocado para a procura que se fez pelos gavetórios, escrivaninhas, estantes – porque tudo foi escarafunchado depois daquele brado de guerra.

O desfecho será breve. Encontrados os óculos (antigão, hastes pesadas, lentes poderosíssimas), deu-se o milagre: o que era breu, carvão, negrume total, fez-se alumiamento. E cá temos o Poeta de volta às leituras proibidas pelo médico, que até hoje não sabe explicar o que aconteceu.

Coisas de São Jota Efegê, revelando-se milagreiro em benefício de um de seus acólitos favoritos – que aliás, com Sivuca, compôs o “Rancho das Abelhas” em homenagem ao nosso santo velhinho, padroeiro da crônica carnavalesca do Rio de Janeiro, amigo e Mestre querido, que não me canso de louvar.

Sempre revolucionária

Vamos virar a ampulheta, retroceder uns 30 anos, e perceber que, na cozinha, existe uma certa algaravia. Um destampar de panelas misturado a exclamações de todos os tipos – e a pergunta habitual: hoje tem bolinho de jiló? Quem chega é a Divina Elizeth, sempre entrando pela cozinha para, gulosa, inspecionar as panelas. Para quem não conheceu a Divina e Enluarada pessoalmente, devo esclarecer que ela não é de ir a lugares enfumaçados e recendentes a bebida. Já trabalhou tanto ganhando a vida com sua voz privilegiada, que hoje é seletiva. Por exemplo, só sai de casa para ouvir uma Áurea Martins. E aí não economiza elogios, como se comprova em sua biografia escrita por Sergio Cabral, que inclui Áurea entre suas intérpretes preferidas.

Se estou falando de Elizeth é porque minha relação pessoal com a Divina era meio de irmão um pouco mais novo, dela chegar em casa e, perguntada como andava de amores, dizia em alto e bom som: “Não tenho nem quem me mande à merda!”. Mentira pura, engodo inútil que a figura linda, pernas e braços roliços, a elegância natural – fica difícil pensar na Divina encerrada num claustro.

Bia Paes Leme me pede um texto sobre Elizeth, para as comemorações do noventenário da Divina. Como negar alguma coisa à minha Divina Cléo (Cleonice Berardinelli) da música, que aos cinco anos, com outra sobrinha minha, Sheilla, foi assistir ao “Rosa de Ouro” no Teatro Jovem, levadas por mim. Talvez, quem sabe, tenha sentado ao lado de Elizeth, que não saía de lá.

Há pouco tempo o (Luiz Fernando) Veríssimo escreveu uma belíssima crônica intitulada “Revolucionários”, centrada nas figuras de Miles Davis e Elizeth. Miles era um revolucionário, que transitava por todas as vertentes modernas do jazz, surfando no bebop, inventando o cool jazz e trocando-o em seguida por outra invenção presumivelmente sua, o hard bop. Isso não o impediu de gravar um disco inesquecível, o “Porgy and Bess”, que teria uma outra versão maravilhosa com Louis Armstrong e Ella Fitzgerald, e uma outra, se não me engano, com Ray Charles e Betty Carter. Mas, insatisfeito, ei-lo agora lançando o “Kind of Blue”, numa experiência que chamou de jazz modal. E aí, conclui Veríssimo, eis que Miles surge de túnicas coloridas, fundindo jazz com o rock. Mais radical, impossível.

Veríssimo, enfim, encontra similaridade entre Miles Davis e Elizeth Cardoso no quesito “Revolucionários”. Cita o célebre “Canção do amor demais” (1958), ela juntando Tom e Vinicius, e fazendo-se acompanhar pelo violão de João Gilberto, mas negando-se a se entrelaçar no modelo de canto minimalista com que ele tentara seduzi-la, sem sucesso. A bossa-nova, como a conhecemos, não começaria ali na interpretação de Elizeth – mas um tempo depois, quando João, enfim, conseguiu impor sua estética.

Elizeth Cardoso e Turíbio Santos, em 1960

Veríssimo cita não só esse disco mas também o “Elizeth sobe o morro”, que tive o privilégio de produzir para a Divina. A fantástica intérprete de Tom e Vinicius aparece agora com outro violão, cujas estranhezas logo fariam celebrizar seu executante: Nelson Cavaquinho. Colocá-lo acompanhando Elizeth, e cantando com ela, foi sim uma atitude que afrontava as regras ditadas pelo mercado. Porque tudo ali se contrapunha à estética joãogilbertiana: a voz rascante de Nelson, seu violão quase primitivo, de uma rudeza transcendental, tudo ali transpirava beleza. Lembraria ao Veríssimo outras atitudes revolucionárias de Elizeth: cantar a “Bachianas nº 5”, de Villa-Lobos, sob a regência de Diogo Pacheco (isso em 1964); deixar-se flutuar na “Melodia sentimental”, do mesmo Villa, num “Concertos para a Juventude”, acompanhada pelo violão erudito de Turíbio Santos; e se enredando também nas cordas de Baden Powell, ou interpretando um Cláudio Santoro para, em seguida, fazer dupla com quem?, Ciro Monteiro.

E como não citar o concerto no Teatro João Caetano, em 1968, ela ao lado de Jacob do Bandolim, Zimbo Trio e Época de Ouro? E, igual a Miles Davis, também vestia por vezes as túnicas coloridas para ir gravar seus dois discos terminais, o “Ari amoroso” e o “Todo sentimento”, neste último acompanhada pelo 7 cordas de Rafael Rabello. No estúdio, algumas vezes, pedia um tempo para deitar-se e contorcer-se de dor com o câncer que a levaria logo depois, sem poder alcançar o lançamento daqueles dois trabalhos.

Se conto essas coisas, 20 anos após o desaparecimento de Elizeth e nos 90 anos que faria em julho de 2010, é para ampliar o conceito do grande Veríssimo, que se pergunta, ao final da crônica, “se Elizeth subiu o morro no mesmo espírito com que o Miles voltou ao hard bop”. Num programa de televisão, armei uma cilada para ela: “Tom Jobim ou Pixinguinha”. E a Divina, sem pestanejar: “ora, fico com os dois”. Subir ou não o morro, pisar o palco do Theatro Municipal, deixar-se levar pelo Brasil afora com o piano de Radamés e com a moderníssima Camerata Carioca, cantar “a capella” o “Serenata de adeus”, fazendo o público debulhar-se em lágrimas inestancáveis e ovacioná-la de pé – nada fazia diferença para Elizeth, desde que a qualidade, e os riscos a ela inerentes, estivesse presente.

Revolucionária sempre.

Lélia Coelho Frota

Em 1999, à frente do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, a antropóloga Lélia Coelho Frota me convidou para produzir artisticamente o primeiro de uma série de CDs que pretendia lançar sobre os sambas de terreiro das mais tradicionais escolas de samba – e a primeira escolhida fora a Mangueira. Um belo disco, que teve arranjos de Mestre Paulão 7 Cordas e assistência de produção de Kiko Horta, fantástico acordeonista. Uma vasta pesquisa de campo nos foi oferecida por nossa querida Lélia, cuja missa de trigésimo dia vejo anunciada nos jornais de hoje, 30 de junho de 2010.

Valeram-me os arquivos que deram origem a este saite. Neles tinha guardado gravações preciosas, registros feitos na minha casa ou nas de Cartola ou Carlos Cachaça – e até, se não me engano, na Birosca da Efigenia do Balbino, quando ainda podia se freqüentar, sem sustos, o Buraco Quente da Mangueira. A fita, talvez a mais preciosa do lote de registros, fora preservada por um amigo querido – o jornalista Arley Pereira.

Gravações caseiras, feitas no início da década de 60 – e o disco produzido pelo Arquivo Geral da Cidade é hoje um documento preciosíssimo para aqueles que quiserem entender a evolução do samba de terreiro até chegar às quadras das Escolas, quando praticamente se extinguiu.

Foi graças a esse registro que um samba de Padeirinho não caiu no total esquecimento: “Modificado”, regravado há pouco por Tantinho da Mangueira e também por meu parceiro Fernando Temporão.

À Lélia devo muitíssimo. Fomos companheiros de trabalho na antiga Funarte, onde desenvolveu um trabalho esplêndido na área do folclore. Mais recentemente, integramos o Conselho Estadual de Cultura, onde sua atuação era, no mínimo, brilhantíssima.

Nosso último encontro, em sua casa, há uns dois meses, teve a cultura como antepasto, almoço e sobremesa. E com um amável convite para um repeteco, que lastimavelmente não pôde acontecer.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Paulinho da Viola, Walter Wendhausen e Luiz Canabrava

As coisas estão no mundo
Só que eu preciso aprender
“Coisas do mundo, minha nega”

Lembro que, nas décadas de 40 e 50, aqui no Rio de Janeiro, era moda freqüentar a casa do escritor Aníbal Machado, pai da teatróloga Maria Clara (“Pluft, o fantasminha”) de igual sobrenome.

Me lembro, e muito muito vagamente, de ter passado por lá. Tertúlias, saraus, essas coisas andavam na moda. Algumas pecavam pelo excesso, com declamações que inevitavelmente desaguavam n’ “O Corvo” de Poe. Eu mesmo, encarapitado numa cadeira, dei os meus vexames iniciais num sarau promovido no bairro da Glória por um moço chamado Burlamarqui. Perdoemos aquele garoto de uns 5 anos, mas já afiado no “Periquitinho verde” do Nássara.

A formação intelectual de muita gente se deu assim, nesses convescotes nada convencionais. Cheguei a formar um duo viloão-violino com meu amigo Luiz Carlos de Castro, para entreter um bando de desocupados que passavam pelos salões da Baronesa. A Baronesa era um funcionário graduado do Itamaraty. Ali se tocava, ali se comia e bebia, dali a gente se escafedia na célebre “hora da valsa”. Prefiro não entrar em detalhes.

Walter Wendhausen, Paulinho da Viola e Luis Sérgio Bilheri Nogueira

Quem não ouviu falar do Sábadoyle? Mas ali era uma concentração de pensadores peso pesados, como Drummond de Andrade e Pedro Nava. Eram reuniões intelectualíssimas, como as que, até pouco tempo, nosso Oscar Niemayer promovia em seu apartamento para discutir filosofia, física quântica e coisas afins.

Em São Paulo, Mário de Andrade era o centro de atenções na célebre casa da rua Lopes Chaves – o endereço intelectual mais célebre na desvairada Paulicéia dos anos 30/40. O carteiro despejava toneladas de cartas por dia, e até hoje não sei como o poeta dava conta do recado.

Contam (“O leitor apaixonado”, de Ruy Castro) que era assim, também, na casa de Gertrude Stein em Paris. Lá você esbarrava em Hemingway, Picasso, Cézanne, Matisse, Hemingway, Ezra Pound, T.S. Elliot...

Os grupos iam nascendo e se informando desse jeito, se alimentando dos contatos riquíssimos como aqueles proporcionados à gente da bossa-nova. João Gilberto, dizem, ia pouco por lá. Mas quando ia, que festa! era um passando o violão pro outro, tentando copiar o acorde inventado pelo Mestre. Eu já era taludinho, naquela época, quando a bossa-nova abriu seu berreiro (seus sussurros, aliás). Falo do finzinho da década de 50, quando 99% das pessoas interessadas em música popular se apaixonaram por suas invenções. José Ramos Tinhorão escovava os dentes com cicuta, já nessa época, para esfolar Tom Jobim em seus raivosos comentários críticos.

Mas voltemos ao apartamento de Walter Wendhausen e Luiz Canabrava, ambos pintores vanguardistas, mas que exerciam seus ofícios ilustradores no departamento de publicidade do Magazine Mesbla (Mestre et Blaget?), com desenhos academicíssimos de fogões, lamparinas, serrotes e o que mais se possa imaginar. Ossos do ofício. Eneida, Leonardo Villar (bem antes, portanto, de estrelar o “O pagador de promessas”), Van Jafa, Lucio Cardoso e sua irmã, a também romancista Maria Helena Cardoso, Harry Laus, quem mais? Muita gente. Grana pouca, cada um levava sua birita, ou ia pendurar sua conta com o Fernando, ali próximo no Lamas (ainda no largo do Machado).

Vamos nos situar: o ano, 1951. O apartamento era na Dois de Dezembro, meio Catete, meio Flamengo. Rio de Janeiro, portanto. Milhares de discos de 78 rotações, e havia de tudo: Aracy de Almeida, Louis Armstrong, Piaf, Pixinguinha, Fats Waller. Ecletismo musical era ali mesmo. E bebia-se Drummond e embriagava-se com Manuel Bandeira (com a poesia deles, esclareço, que desconheciam nossas existências). Braque, Picasso, Chagall, Modigliani. “O Encouraçado Potenkin” (só iria ver o filme muitos anos depois), as vanguardas teatrais ensaiando seus passos, as vernissages concorridíssimas – nada nos faltava em termos de informação. Tallulah Bankhead ou Erich Von Ströheim, Marlene Dietrich ou as “expansions” de César. Tudo praticamente tridimensionado, porque imaginação é o que não nos faltava. A grana?, curtíssima. No Lamas e no Bar Recreio nos abastecíamos de cerveja ou gin tônica, e nos deliciávamos vendo a Divina Elizeth entrar na companhia de seu namorado Ewaldo Ruy e, pasmem!, Ary Barroso.

Todo esse preâmbulo é para contextualizar a época virtual em que vivemos, escravos da Internet, e onde tertúlias e saraus saíram de moda ou se realizam um pouco às escondidas.

Fui procurado por um jovem pesquisador, a quem foi encomendado um livro sobre Luiz Canabrava. Ora, direis, quem hoje ainda lembra de Canabrava e Wendhausen? Mas eu que os freqüentei, que com eles convivi, posso atestar: a casa dos dois equivalia a um centro cultural – e acho que Paulinho da Viola deve pensar a mesma coisa.

O artista plástico Luiz Canabrava (c.1960)

Porque nos conhecemos, primeiramente, nos célebres saraus de Jacob do Bandolim, naquela casarona em Jacarepaguá. Em que anos estamos? Possivelmente 1955/56. Ele, Paulinho, na companhia de seu pai, o violonista Benedito César Faria. E eu municiando aqueles saraus com as cordas mágicas de meus amigos Maria Luisa Anido, Oscar Cáceres, Nicanor Teixeira, Jodacil Damasceno e um então menino chamado Turíbio Santos.

Paulinho começava a escrever em sua história num bloco de Botafogo, eu morava no bairro da Glória, já pertinho da Taberna.

– Olá, como vai?
– Eu vou indo, e você?

E é claro que não foi bem assim. Ele trabalhava num balcão de um banco onde eu ia pagar contas, um olhou pra cara do outro – a gente já se conhece, né? – e nos conhecíamos sim das rodas de choro na casa de Jacob. Conhecíamo-nos “de vista”, como se diz comumente. A partir daí nos tornamos amigos e, acho eu, parceiros.

Parceiros também no convívio com Walter Wendhausen, que morava com Luiz Canabrava – ambos desenhando anúncios de dia, e nos fins de semana continuavam pintando, inclusive o sete. Porrancas federais.

Vamos, agora, nos mudar para Copacabana – década de 60, nova residência do Walter. Em frente, moravam Toninho e Liana Ventura. Mais tarde, mas muito mais tarde, a filha do casal, Lianinha, se casaria com Raphael Rabello (que viria a ser cunhado de Paulinho, que desposou Lila, que tem o poeta Paulinho Pinheiro como cunhado, casado que é com Luciana Rabello, a Magnífica). Mas não vamos desfolhar o calendário antes do tempo.

Avenida Nossa Senhora de Copacabana, perto da Duvivier, que apartamentão! Liana, filha do senador Dix-Huit Rosado, e Walter já morando num prédio que dava de cara com o do casal Ventura. Para estabelecer amizade eterna, com juras de amor ad infinitum, foi um pulo. “Marreco” era como Liana apelidou Walter. Não me perguntem pela foto em que aparecem Clara Nunes e Martinho da Vila numa daquelas feijoadas memoráveis promovidas pelo casal. Não saberia precisar a data.

Mas, e pontuando apenas essas lembranças: a casa dos Ventura era um território livre, mas não com as características da casa de Aníbal Machado ou da antiga residência de Walter. Alguns remanescentes, como Harry Laus e Eneida (sempre com um copo de uísque à mão) permaneceram. Grande Eneida que lavrou seu memorável epitáfio: “Essa mulher nunca topou chantagem”. Na época do golpe de 64, Wendhausen arrumava as trouxas e ia dormir na casa da escritora, temendo que ela fosse presa. Iria junto. E seriam inevitavelmente soltos. Ninguém iria agüentar e esbórnia que certamente promoveriam.

Fiquemos, pois, naquela década sessentina, Paulinho já amigo e admirador de Walter. Lembro do vaticínio de meu amigo:

– Paulinho vai ser um dos grandes.

O “Rosa de ouro”, de 1965, iria confirmar a previsão. O “Rosa” tinha assento vitalício para Wendhausen na platéia do Teatro Jovem.

Bem, retomemos o fio da história. O jovem candidato a pesquisador, encarregado de biografar Canabrava, descobre meu e-meio e me obriga a escavoucar territórios que julgava demolidos, execrados, expulsos de minha lembrança.

Claro, o assunto me interessa. Tenho, às pencas, quadros de Wendhausen e Canabrava – e lembranças vivíssimas daquela época, para mim, de ouro. Imagine, em 51, saindo das calças curtas e descobrindo sua sexualidade, e aluno da vizinha Escola Amaro Cavalcanti (onde mais tarde Paulinho também estudaria) me descobrir habitando o mesmo Olimpo de pessoas que só conhecia à distância. Pois tive que fazer um processo de regressão, pra responder ao questionário que me foi enviado: onde, quando, como conheci Canabrava.

Nesse troca-troca de e-meios, meu jovem interpelante vai catando as pistas que lhe dou, vasculha nosso saite, encontra fotos de Canabrava, escarafuncha escaninhos empoeirados – e se deslumbra com o fato de Paulinho da Viola ter se inspirado no livro “Por onde andou meu coração” para compor o “Foi um rio que passou em minha vida”, numa época em que embaralhei sua vida artística com um samba-exaltação, e qual?, “Sei lá, Mangueira”. Ele portelense, eu um verde-e-rosa arrastando-o pra um samba em homenagem à escola oponente. E onde conheceu Maria Helena Cardoso, Elena, irmã de Lúcio, autora do livro? Na casa de Walter e Canabrava, suponho eu. (O jovem é também biógrafo de Lelena e desconhecia esse fato).

Todos nós somos, um pouco, frutos de uma época que, igual à de Aníbal Machado ou Gertrude Stein, os poetas músicos pintores se alimentavam de pensamentos, desovando em matéria-prima rara aquilo que nossos sábios mentores, sem saberem-se mestres, nos ditavam.

Forneço esse resumo porque, cada vez mais, me sinto fazendo uma viagem regressiva ao apartamentinho de Wendhausen e Canabrava, que tanto e tanto me ensinaram.

Quando vejo a meninada da Escola Portátil de Música, e as experiências relatadas por eles e seus Mestres Oficineiros, percebo que cada um teve fomentada suas vocações pos wendhausens e canabravas. E, independentemente das obras artísticas que nos legaram, advertiram-nos o quanto é preciso aguçar a arte de prestar atenção.

Meu jovem pesquisador, aspirante a biógrafo de Canabrava, me fez encontrar na Internet essa pérola: “Como diria o artista Walter Wendhausen, o mundo está aí, com tudo que tem de belo, para ser visto – basta saber olhar”.

Paulinho da Viola, com sua percepção aguda e um verso extraordinário, talvez nem tenha lido essa declaração de Wendhausen – mas que estava na essência de nossa relação com aquele artista. Aliás, com aquele grupo de artistas.

Afinal, as coisas estão no mundo – bastando-nos apenas apurar a arte do apercebimento.

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NOSSO SAITE
Esta crônica nasceu na necessidade de confessar o que se segue: o nosso saite, eu o queria com esse perfil informador. Ao estabelecer contato com esse jovem biógrafo de Canabrava, pude atestar a qualidade dos serviços até aqui prestados. Nenhum mérito meu, diga-se de passagem. Costumo me autorrotular uma anta cibernética, de tal forma me atrapalho com o manuseio do teclado do computador. Portanto, a permanência do nosso saite, e uma mudança de seu perfil, é coisa que levará algum tempo. Mas aproveito para abraçar meus companheiros, citados todos eles nos créditos, que construíram (e continuarão construindo) esse portal, com o perfil cada vez mais acentuado de um prestador de serviços – como acaba de provar o jovem pesquisador que me fez viajar em torno de um grande artista plástico, Luiz Canabrava, cuja memória quase se viu reduzida a cinzas.

Quase porque muitas obras suas, e de Wendhausen, estão em coleções particulares. As capas que Canabrava fez para os Lps “Muito Elizeth” e “É tempo de amor” (Dalva de Oliveira), todas debruçadas no abstracionismo, são antológicas, assim como aquela construída por Wendhausen para o “Elizeth sobe o morro”. Capas de livros? Inúmeras. Durante algum tempo Canabrava ilustrou os livros de Dinah Silveira de Queiroz, enquanto Wendhausen exercia essa mesma arte como capista de livros e discos meus. Até o cardápio do Zicartola tem a colaboração gráfica de Walter, assim como Luiz foi além – revelando-se como excelente contista. Ambos, aliás, elaboravam textos deliciosos – e Wendhausen chegou a aventurar-se na área de crítica de música. E todos nós, claro! frequentávamos os Bailes do Pierrot, idealizados por Eneida.