quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Em defesa do Projeto Pixinguinha

(Carta aberta ao Ministro Juca Ferreira – originalmente publicada em outubro/2008)

Poderia usar um artifício em defesa do Projeto Pixinguinha, fazendo uma colagem dos textos de Gilberto Gil defendendo aquele programa cultural nos catálogos editados pela Funarte – mas acho que você conhece fartamente o pensamento do ministro recém demissionário. E o você, no caso, não subtrai o respeito ao cargo de ministro, mas sim uma absoluta dificuldade em fazer salamaleques, ou mesmo usar de adjetivos hipócritas - que seriam logo desvendados, talvez pela falta de prática no ofício. Se há quase 50 anos eu já reverenciava Pixinguinha e Cartola, a vida me deu oportunidade de prestar atenção aos talentos que iriam enriquecer (não no sentido vil da palavra) a minha vida, possibilitando me tornar parceiro de vultos geniais iguais àqueles dois. O Projeto que leva o nome de Pixinguinha faz parte desses ritos reverenciais – assim como outros projetos que deixei aí na Funarte que, nem na época da ditadura, sofreu com episódios como os que aconteceram recentemente.

Também esse aprendizado me fez conhecer Clementina de Jesus, tão representativa na minha vida quanto o foi Chico Antonio, o cantador que a Mário de Andrade tanto impressionou. A arte de prestar atenção você pode constatá-la num texto meu de 1966, na contracapa do Lp "Muito Elizeth", no qual pedia que reparassem num jovem compositor que estava surgindo - esse mesmo Gilberto Gil que, depois Ministro, permitiu que a chama do projeto fosse reacesa na administração do Grassi. Que não se enxergue hipocrisia ou adulação quando o cultuo como o grande artista que nunca deixará de ser (acima de poderes ministeriais provisórios). E também como um colega de profissão, que veio em minha casa quando fundamos a Sombrás, isso há 30 anos, para deixar uma procuração que eu, vice do então presidente Tom Jobim, o representasse nas lutas pela moralização dos direitos autorais, numa época em que éramos assediados pela censura, no rastro do AI-5, que a Gil e Caetano aprisionou indecentemente.

Não, decididamente não creio que Gilberto Gil tenha renegado seus textos em favor do projeto ou anulado, moralmente, a referida procuração. Quanto à extinção do Pixinguinha, logo anunciada na troca de Ministros, soa como traição ou insubordinação aos ideais daquele importante músico.

No ano passado, quando fui chamado para fazer a curadoria do Pixinguinha, não imaginava que, na verdade, estavam me entregando uma urna ainda vazia, na qual iriam depositar as cinzas daquele Projeto. Aceitei o cargo sob algumas condições: que reativassem também os projetos Lúcio Rangel de Monografias e o Radamés Gnattali (discos paradidáticos), além de propor a reabertura da Sala Sidney Miller e a reedição de livros do grande Jota Efegê.

Me senti traído quando o Projeto Pixinguinha foi extinguido e mutilado, e a edição dos livros de Jota Efegê não ganharam a merecida distribuição. Mau uso do dinheiro público, fazendo reverter ao ostracismo aquelas reedições. E as outras promessas feitas? Caíram no ossário do esquecimento. Também me impressionou o clima de terrorismo que encontrei infestando aquela Casa.

É consenso que a utilização da mesma marca Pixinguinha num projeto totalmente inverso ao original foi manobra que a ninguém iludiu. É a máquina pública modorrenta e preguiçosa, viveiro de incompetentes moscas varejeiras que infectam de burocracia o fazer cultural. E criminosamente extirparam a principal característica daquele programa apoiado por Gil: a circulação da música brasileira por todo o país. Cultura que não circula morre de inanição, é devolvida ao anonimato.
Assim como confiei em Gil em 1966, não haveria porque não dar crédito àqueles que executavam sua política cultural, com especial destaque para os textos em que defendia o Projeto. Ou seriam apócrifos?

Portanto, não poderia dormir direito com minha consciência se não viesse lembrá-lo que estar Ministro até 2010 não o desonera de fazer cumprir o que foi prometido pela gestão anterior que comandava a Funarte.

É a homenagem que presto à minha consciência, ao não me silenciar diante de tais iniqüidades. Estou certo de que você, igualmente avesso a desajeitados salamaleques, há de compreender que o ano e pouco que ainda terá à frente do Ministério da Cultura o obrigará a um olhar reflexivo sobre esse ato de vandalismo e genocídio cultural que vem dizimando aqueles que ainda reverenciam a palavra empenhada e se sentem desrespeitados por esse caos.

Atenciosamente,
Hermínio Bello de Carvalho