segunda-feira, 26 de setembro de 2011

"Áporo Itabiraro" – Lançamento virtual



Lélia Coelho Frota, antropóloga falecida há um ano, seria a prefaciadora do “Áporo Itabirano – Epistolografia à beira do acaso”, editado pela Imprensa Oficial de São Paulo. O  livro revela as cartas que Carlos Drummond de Andrade e eu trocamos durante alguns anos. Não foi providenciada uma resenha formal para o lançamento do livro, mas de alguma forma ela foi brilhantemente rascunhada por Cecília Scharlach, no posfácio da edição.

Uma querida amiga sugeriu que eu fizesse um vídeo-release, mas confessei a ela que não tinha a menor idéia de como produzir um suporte como aquele. Recomendou-me o trabalho de Elisa Gaivota, fotógrafa excelente – e assim nasceu o trabalho que a crítica estará recebendo junto com um exemplar do livro.

Mas, e a resenha?

A solução foi improvisar uma auto-entrevista, uma forma de driblar qualquer propaganda enganosa sobre esse livro. E é o que passo a fazer em seguida.

O que mais chama atenção nesse livro?
O carinho e o respeito com que Drummond acolhia meus projetos culturais, no período em que eu atuava na função de gestor da Divisão de Música Popular do Instituto Nacional de Música, então dirigido pelo maestro Edino Krieger. Também terá pesado bastante nessa relação a amizade que me unia ao cronista João Ferreira Gomes, o Jota Efegê. Para se ter uma idéia, fomos padrinhos de casamento de Zica e Cartola. E foi Jota, afinal, quem me apresentou a grande Araci Cortes no restaurante Zicartola, isso por volta de 1962/63.

A primeira mensagem enviada a você por Drummond é de 3 de agosto de 1964. Começa aí a relação de vocês?
Não sei dizer. Nessa época eu vivia num apartamentinho tipo “Já-vi-tudo”. Você entrava, dava três passos, e já se deparava com a janela de frente pra rua. Discos, livros, minha máquina de escrever – tudo isso me exigia um comportamento quase minimalista dentro daquele espaço mínimo. Eu não dispunha de meios de arquivar tudo que eu mesmo produzia, nem sequer arquivar a correspondência, relativamente extensa, que eu mantinha com amigos que viviam no exterior, como Laurindo Almeida, Oscar Cáceres e Maria Luisa Anido, violonistas. Quantas partituras de Villa-Lobos, por exemplo, enviei pro Laurindo – que por sua vez me fazia chegar às mãos os muitos discos que gravava nos EE.UU., onde morava. Guardar como? Mas consegui preservar, por exemplo, uns cartõezinhos do Manuel Bandeira, que deveriam estar nas páginas do “Áporo”, mas a família não autorizou essa utilização. Infelizmente, por esse problema de pouquíssimo espaço, destruí muita coisa – e que me perdoe meu querido Sergio Cabral, que terá um ataque de fúria ao ler essa declaração...

O público alvo desse livro, você consegue identificá-lo?
Não muito exatamente. Durante algum tempo ministrei uma oficina, a Oficina de Coisas, na Escola Portátil de Música. Exibia programas que produzi para a extinta TVE (hoje TV Brasil), e um dos meus carros-chefe era um especial com Aracy de Almeida. Ela contava das rodas que freqüentava: na Taberna da Glória com Noel Rosa, Mário de Andrade “e outros pilantras”, como ela a eles se referia. E, no Vilariño,  seus encontros eram com Vinicius de Moraes, Rubem Braga, Antonio Maria, Di Cavalcanti. Nessas oficinas, eu falava muito de estranhezas, como a voz de Clementina, um poema de Drummond, a voz de Pastora Pavon (musa de Garcia Lorca e tema da palestra “La Teoria y Juego del Duende”, de 1922) –  e de outras belezas que nem sempre são consumidas porque não estão acessíveis a uma gama enorme de consumidores. O público alvo desse livro, concluindo a minha/sua pergunta, seria a moçada – quase 900 alunos!  – da  Escola Portátil de Música. Porque lá não se discute música, apenas. 

E a crítica literária?
Desde que estreei em livro, isso em 1962, tive acolhida boa da crítica: Sergio Milliet, Péricles Eugenio da Silva Ramos, Antonio Olinto, Stella Leonardos, Álvaro Moreyra, Pedro Bloch, Guilherme Figueiredo, Homero Senna, José Conde. Eu publicava apenas poesia.  Quando a Editora Martins  Fontes publicou a antologia “Embornal” (2005) comecei a perceber que estava cada vez mais difícil o processo de divulgação. Mas nem posso me queixar. Alguns poemas meus entraram em antologias, uma delas feita pelo jornalista Manuel da Costa Pinto (“Antologia Comentada da Poesia Brasileira do Século 21”, Publifolha) .

E o “Cartas Cariocas para Mário de Andrade”?  Também tem o caráter epistolográfico?
Não conheci Mário, que morreu em 1945, quando eu tinha dez anos. Vou me esquivar de um delírio que me acompanha até hoje, porque, muito menino, eu tinha fascínio pela Taberna – e alimento a ilusão de tê-lo visto por lá. Porque era um garoto peralta, que vivia escapulido para a rua, e morava no mesmo bairro onde ficava aquele estabelecimento. Villa-Lobos dizia que suas músicas eram como cartas espalhadas ao vento, delas não esperava resposta. Enfim: esse livro é praticamente um monólogo, o diálogo epistolográfico é meramente ficcional.

Drummond sempre atendia aos seus pedidos?
Que eu me lembre, só ignorou um: quando pedi que escrevesse sobre Clementina de Jesus. Foi uma pena, porque outros intelectuais e artistas de todas as áreas se manifestaram sobre ela – inclusive Nelson Rodrigues.

Ressaltaria algum capítulo especial no “Áporo”?
O episódio com Neuma, que dividia com Zica (do Cartola) o posto de Primeira Dama da Mangueira. Ela era fascinada pelo método Paulo Freire, e o adotava nas improvisadas aulas que dava para a garotada do morro. Escrevia um palavrão no quadro negro, a garotada estava familiarizada com aquele linguajar, e o processo de ensinamento se dava por aí. Ela adorava Drummond, lia Drummond. E um dia, quando ele foi escolhido como enredo da Escola, a imprensa se alvoroçou e um jornal quis promover o encontro de Neuma como Poeta. Conto isso no livro.

Faltou abordar algum assunto no “Áporo”?
Sim, faltou. Não contei o quanto foi importante conhecer a profa. Oneyda Alvarenga, discípula dileta do Mário de Andrade. Foi Drummond, tenho quase a certeza, quem me sugeriu que eu a procurasse, porque naquela época eu fiz um projeto em homenagem aos 90 anos que o Mário de Andrade faria. Dona Oneyda já estava doentinha, mas me recebeu efusivamente, colaborou com o projeto escrevendo um texto lindo – e me proporcionou retribuir tanta gentileza quando consegui uma verba para que sua equipe concluísse, enfim, o “Dicionário Musical Brasileiro”, tarefa que herdou de Mário. Infelizmente, quando o livro foi editado, e é aliás dedicado a mim, ela já não estava entre nós. Vale a pena lembrar que a edição desse livro se deve a uma sugestão a mim encaminhada pela Lélia Coelho Frota, então minha colega na Funarte.     

O “Áporo” é uma edição de luxo?
Sim, e nele vão encontrar um pouco da trajetória de um gestor cultural que teve o privilégio de ter seus sonhos e projetos estimulados pelo nosso maior poeta. Esse estímulo, enfim, achei oportuno que viesse a público. E a Imprensa Oficial fez um belo e competente trabalho de editoração.

Algum novo livro à vista?
Sim, o “Figuras Musicais”. São crônicas ilustradas pelo Baptistão, Bap, cartunista fantástico. Alexandre Pavan está fazendo a editoração do livro, enquanto finalizo o “Passageiro do Relâmpagos” e o romance “Antonio & Antonio’.

E o que você achou da entrevista?
Entrevistador e entrevistado tem uma coisa em comum: um ego que!