terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um matulão de notícias (3) - O batizado de Sofia, primeira neta de Virginia e Mauricio Tapajós

Sofia,

Deixe, antes de tudo, que eu me identifique: padrinho de batismo do Márcio, teu pai, e consequentemente cumpadi de Virginia e Mauricio que, por sua vez, foram meus afilhados de casamento.

Fui sim ao Outeiro, e disso é testemunha tua avó Virginia, tua bisavó Norma (de cabelo agora branquíssimo) e o Márcio, o Lúcio, a tapajosada toda.

Mas aí, demorando a começar o ofício, fui vagabundear pelas redondezas do Outeiro, onde Mãe Quelé ia depositar suas preces, e hoje protege a todos nós no terreiro de samba que, imagino, deva existir no andar superior.

Pois bem, fui inspecionar o Plano Inclinado, que tantas vezes utilizei, mas que estava parado. Ainda fui até o antigo Museu, onde as joias da coroa ofuscavam nossas vistas – e fiquei vendo a descida e subida das aeronaves no Aeroporto Santos Dumont, que se desnuda por inteiro, se te debruças na amurada que cerca o Outeiro.

E nada do padre aparecer.

Bem, pensei assim: se cumpadi Mauricio estivesse por estas bandas (desculpe, está está!) teria a mesmíssima idéia: brindar teu batizado na velha Taberna da Glória.

Para feito de tal envergadura, há que ter idade e pernas fortes, o que não é o meu caso, embora ainda não use bengalas ou muletas. Olhei a escadaria abaixo, pensei duas vezes e parei em frente ao início da ladeira, onde haviam dois passarinhos, saíras talvez, beliscando coisas entre os paralelepípedos da rua.

Achei que era um bom sinal.

Dei bom-dia pra eles, eles avoaram, e lá fui eu me despencando ladeira abaixo, que nem os Rolling Stones. (Traduza, que dá certo). Fui amparado nessa hora por braços invisiveis, talvez de Quelé ou do próprio Mauricio, que me conduziram até a porta do ilustre estabelecimento, onde nasceu o samba “Mudando de conversa”, feito de parceria com teu avô paterno. Encontrei um dos garçons lavando as pedras portuguesas (como sempre desalinhadas), e fiz a pergunta obvia, sem contar com a resposta inesperada: “Só abre lá pelas onze e meia”.

Tenho pavio curto e garganta seca nessas horas. Praguejei alguma coisa que não reproduziria aqui (até porque soltei um palavrão dentro da Igreja, o que deve ter assustado minha cumadi Virginia) e acenei pro taxi.

E cá estou, pedindo desculpas por não ter participado, fisicamente, do teu batizado.

Mas eis-me erguendo um Terras de Xisto em tua homenagem, desejando que tenhas um lindíssimo futuro pela frente (“não existe futuro para trás, não é sua besta?”, me respondo, insolente), que encontres um cara generoso que se encante pelos seus já visíveis encantos, e que toque violão e faça versos, que tenha cabelos encaracolados como os de teu afro-meio-avô (não sei designar meu grau de parentesco com você, Sofia: meio-avô digital ou analógico?, consulte o dicionário para ver no que dá).

Saiba do afeto que se encerra no meu peito juvenil e varonil, e combinemos o seguinte: daqui a alguns anos (poucos) estaremos na Taberna, brindando alguma coisa como tua formatura, noivado, casamento – o que for.

E aí receberás, de corpo presente, o beijo afetuoso do teu padrinho-avô-analógico que se assina

Herminio Bello de Carvalho