Já está na praça o “Depontacabeça”, gravado por Áurea Martins na Biscoito Fino, todo ele com obras – a maioria inédita – de minha lavra, com parceiros de grosso calibre como Pixinguinha, Moacyr Luz, Vidal Assis, Fernando Temporão – e o disco, infelizmente, não deu para caber outros novos companheiros de música como Marcelo Caldi, Luisinho Barcellos e tantos outros que ficam escavucando meus guardados. Os arranjos são de Lucas Porto.
Pedi à Cecília Scharlach que deixasse para março do ano que vem o lançamento do “Áporo Itabirano, uma epistolografia à margem do acaso”. É, como já expliquei lá em cima, a correspondência trocada com Carlos Drummond de Andrade. Prepondera, naquele lote de cartas, a discussão de projetos culturais.
Bons dias para todos.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Um matulão de notícias (3) - O batizado de Sofia, primeira neta de Virginia e Mauricio Tapajós
Sofia,
Deixe, antes de tudo, que eu me identifique: padrinho de batismo do Márcio, teu pai, e consequentemente cumpadi de Virginia e Mauricio que, por sua vez, foram meus afilhados de casamento.
Fui sim ao Outeiro, e disso é testemunha tua avó Virginia, tua bisavó Norma (de cabelo agora branquíssimo) e o Márcio, o Lúcio, a tapajosada toda.
Mas aí, demorando a começar o ofício, fui vagabundear pelas redondezas do Outeiro, onde Mãe Quelé ia depositar suas preces, e hoje protege a todos nós no terreiro de samba que, imagino, deva existir no andar superior.
Pois bem, fui inspecionar o Plano Inclinado, que tantas vezes utilizei, mas que estava parado. Ainda fui até o antigo Museu, onde as joias da coroa ofuscavam nossas vistas – e fiquei vendo a descida e subida das aeronaves no Aeroporto Santos Dumont, que se desnuda por inteiro, se te debruças na amurada que cerca o Outeiro.
E nada do padre aparecer.
Bem, pensei assim: se cumpadi Mauricio estivesse por estas bandas (desculpe, está está!) teria a mesmíssima idéia: brindar teu batizado na velha Taberna da Glória.
Para feito de tal envergadura, há que ter idade e pernas fortes, o que não é o meu caso, embora ainda não use bengalas ou muletas. Olhei a escadaria abaixo, pensei duas vezes e parei em frente ao início da ladeira, onde haviam dois passarinhos, saíras talvez, beliscando coisas entre os paralelepípedos da rua.
Achei que era um bom sinal.
Dei bom-dia pra eles, eles avoaram, e lá fui eu me despencando ladeira abaixo, que nem os Rolling Stones. (Traduza, que dá certo). Fui amparado nessa hora por braços invisiveis, talvez de Quelé ou do próprio Mauricio, que me conduziram até a porta do ilustre estabelecimento, onde nasceu o samba “Mudando de conversa”, feito de parceria com teu avô paterno. Encontrei um dos garçons lavando as pedras portuguesas (como sempre desalinhadas), e fiz a pergunta obvia, sem contar com a resposta inesperada: “Só abre lá pelas onze e meia”.
Tenho pavio curto e garganta seca nessas horas. Praguejei alguma coisa que não reproduziria aqui (até porque soltei um palavrão dentro da Igreja, o que deve ter assustado minha cumadi Virginia) e acenei pro taxi.
E cá estou, pedindo desculpas por não ter participado, fisicamente, do teu batizado.
Mas eis-me erguendo um Terras de Xisto em tua homenagem, desejando que tenhas um lindíssimo futuro pela frente (“não existe futuro para trás, não é sua besta?”, me respondo, insolente), que encontres um cara generoso que se encante pelos seus já visíveis encantos, e que toque violão e faça versos, que tenha cabelos encaracolados como os de teu afro-meio-avô (não sei designar meu grau de parentesco com você, Sofia: meio-avô digital ou analógico?, consulte o dicionário para ver no que dá).
Saiba do afeto que se encerra no meu peito juvenil e varonil, e combinemos o seguinte: daqui a alguns anos (poucos) estaremos na Taberna, brindando alguma coisa como tua formatura, noivado, casamento – o que for.
E aí receberás, de corpo presente, o beijo afetuoso do teu padrinho-avô-analógico que se assina
Herminio Bello de Carvalho
Deixe, antes de tudo, que eu me identifique: padrinho de batismo do Márcio, teu pai, e consequentemente cumpadi de Virginia e Mauricio que, por sua vez, foram meus afilhados de casamento.
Fui sim ao Outeiro, e disso é testemunha tua avó Virginia, tua bisavó Norma (de cabelo agora branquíssimo) e o Márcio, o Lúcio, a tapajosada toda.
Mas aí, demorando a começar o ofício, fui vagabundear pelas redondezas do Outeiro, onde Mãe Quelé ia depositar suas preces, e hoje protege a todos nós no terreiro de samba que, imagino, deva existir no andar superior.
Pois bem, fui inspecionar o Plano Inclinado, que tantas vezes utilizei, mas que estava parado. Ainda fui até o antigo Museu, onde as joias da coroa ofuscavam nossas vistas – e fiquei vendo a descida e subida das aeronaves no Aeroporto Santos Dumont, que se desnuda por inteiro, se te debruças na amurada que cerca o Outeiro.
E nada do padre aparecer.
Bem, pensei assim: se cumpadi Mauricio estivesse por estas bandas (desculpe, está está!) teria a mesmíssima idéia: brindar teu batizado na velha Taberna da Glória.
Para feito de tal envergadura, há que ter idade e pernas fortes, o que não é o meu caso, embora ainda não use bengalas ou muletas. Olhei a escadaria abaixo, pensei duas vezes e parei em frente ao início da ladeira, onde haviam dois passarinhos, saíras talvez, beliscando coisas entre os paralelepípedos da rua.
Achei que era um bom sinal.
Dei bom-dia pra eles, eles avoaram, e lá fui eu me despencando ladeira abaixo, que nem os Rolling Stones. (Traduza, que dá certo). Fui amparado nessa hora por braços invisiveis, talvez de Quelé ou do próprio Mauricio, que me conduziram até a porta do ilustre estabelecimento, onde nasceu o samba “Mudando de conversa”, feito de parceria com teu avô paterno. Encontrei um dos garçons lavando as pedras portuguesas (como sempre desalinhadas), e fiz a pergunta obvia, sem contar com a resposta inesperada: “Só abre lá pelas onze e meia”.
Tenho pavio curto e garganta seca nessas horas. Praguejei alguma coisa que não reproduziria aqui (até porque soltei um palavrão dentro da Igreja, o que deve ter assustado minha cumadi Virginia) e acenei pro taxi.
E cá estou, pedindo desculpas por não ter participado, fisicamente, do teu batizado.
Mas eis-me erguendo um Terras de Xisto em tua homenagem, desejando que tenhas um lindíssimo futuro pela frente (“não existe futuro para trás, não é sua besta?”, me respondo, insolente), que encontres um cara generoso que se encante pelos seus já visíveis encantos, e que toque violão e faça versos, que tenha cabelos encaracolados como os de teu afro-meio-avô (não sei designar meu grau de parentesco com você, Sofia: meio-avô digital ou analógico?, consulte o dicionário para ver no que dá).
Saiba do afeto que se encerra no meu peito juvenil e varonil, e combinemos o seguinte: daqui a alguns anos (poucos) estaremos na Taberna, brindando alguma coisa como tua formatura, noivado, casamento – o que for.
E aí receberás, de corpo presente, o beijo afetuoso do teu padrinho-avô-analógico que se assina
Herminio Bello de Carvalho
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Um matulão de notícias (2) - Lélia Coelho Frota
Antropóloga, amiga querida, colega de trabalho nos tempos da Funarte – que beleza a introdução que Lélia faz ao belo e imprescindível livro “Mário de Andrade: cartas de trabalho”, epistolografia que revela a importância de febril atuação de meu guru frente à criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico, redator que foi do anteprojeto que daria vida àquele órgão. Ele e Rodrigo Mello Franco cimentaram os alicerces do SPHAN. “Mario de Andrade tinha por principio fazer circular o seu conhecimento múltiplo pelas diversas áreas do saber em que atuou”, destaca Lélia em seu texto.
A cultura tem que circular, é um bordão que adotei há alguns anos, talvez inspirado nesse pequeno parágrafo que pincei da preciosa introdução que a saudosa antropóloga fez para aquele maço de cartas de trabalho.
Perdemos Lélia há poucos meses, depois de uma longa batalha contra o câncer. Iria escrever o prefácio do livro que, desde o principio, me estimulou fazer: trazer a público minha correspondência com o poeta Carlos Drummond de Andrade. Será um trabalho revelador, pelo menos num aspecto: a atenção que nosso maior poeta dava a um animador cultural que tentava seguir, numa escala reduzidíssima, a trilha traçada pelo grande Mário.
Hoje não se discute política cultural, que aliás tornou-se desimportante desde a era Collor, quando ele extirpou o Ministério da Cultura do organograma governamental. Viria depois o grande Aloísio Magalhães, o último a pensar e executar um projeto cultural que encontrou um forte esteio na Funarte, com seus diversos institutos atuando em nível nacional. Veio daí o Projeto Pixinguinha, cria do berço esplêndido de outro projeto, o “Seis e Meia”, idealizado por Albino Pinheiro. O Pixinguinha, projeto cuja exemplaridade era ressaltada pelo professor Celso Furtado, foi decepado do leque de projetos da atual Funarte. Seu algoz é o atual ministro, que o substituiu pelos chamados Pontos de Cultura que, reconheçamos, atende pelo menos alguns programas pontuais que atuam fora do vicioso eixo Rio-São Paulo.
Está em curso uma guerra pouco santa: uma disputa feroz pelo cargo de Ministro da Cultura do Governo Dilma Rousseff. A Secretária Estadual dessa pasta no Rio de Janeiro está, pelo que leio no “O Globo”, empenhada em prorrogar por mais quatro anos o mandato do titular da pasta, que a ocupou por oito anos, revezando-se com Gilberto Gil. Seria um mandato quase tão longevo quanto o do ministro Gustavo Capanema, na era Vargas.
“Fazer circular o seu conhecimento”, volto à querida Lélia Coelho Frota para expressar meu desencanto com a nossa área cultural. Porque vivo cercado de jovens compositores, instrumentistas, cantores – todos à margem de um mercado cada vez mais afunilado e também asfixiado pela indiferença dos poderes. Lembro, a propósito, quantos “filhotes” do “Seis e Meia” foram gerados pelo Brasil afora, escancarando o mercado de trabalho dos músicos. O Projeto Pixinguinha consolidaria essa conquista, há dois anos decepada pelo atual Ministro da Cultura.
Circular, circular.
O novo ministro há que ter uma visão holística desse Brasil de tantas e diferenciadas culturas.
A cultura tem que circular, é um bordão que adotei há alguns anos, talvez inspirado nesse pequeno parágrafo que pincei da preciosa introdução que a saudosa antropóloga fez para aquele maço de cartas de trabalho.
Perdemos Lélia há poucos meses, depois de uma longa batalha contra o câncer. Iria escrever o prefácio do livro que, desde o principio, me estimulou fazer: trazer a público minha correspondência com o poeta Carlos Drummond de Andrade. Será um trabalho revelador, pelo menos num aspecto: a atenção que nosso maior poeta dava a um animador cultural que tentava seguir, numa escala reduzidíssima, a trilha traçada pelo grande Mário.
Hoje não se discute política cultural, que aliás tornou-se desimportante desde a era Collor, quando ele extirpou o Ministério da Cultura do organograma governamental. Viria depois o grande Aloísio Magalhães, o último a pensar e executar um projeto cultural que encontrou um forte esteio na Funarte, com seus diversos institutos atuando em nível nacional. Veio daí o Projeto Pixinguinha, cria do berço esplêndido de outro projeto, o “Seis e Meia”, idealizado por Albino Pinheiro. O Pixinguinha, projeto cuja exemplaridade era ressaltada pelo professor Celso Furtado, foi decepado do leque de projetos da atual Funarte. Seu algoz é o atual ministro, que o substituiu pelos chamados Pontos de Cultura que, reconheçamos, atende pelo menos alguns programas pontuais que atuam fora do vicioso eixo Rio-São Paulo.
Está em curso uma guerra pouco santa: uma disputa feroz pelo cargo de Ministro da Cultura do Governo Dilma Rousseff. A Secretária Estadual dessa pasta no Rio de Janeiro está, pelo que leio no “O Globo”, empenhada em prorrogar por mais quatro anos o mandato do titular da pasta, que a ocupou por oito anos, revezando-se com Gilberto Gil. Seria um mandato quase tão longevo quanto o do ministro Gustavo Capanema, na era Vargas.
“Fazer circular o seu conhecimento”, volto à querida Lélia Coelho Frota para expressar meu desencanto com a nossa área cultural. Porque vivo cercado de jovens compositores, instrumentistas, cantores – todos à margem de um mercado cada vez mais afunilado e também asfixiado pela indiferença dos poderes. Lembro, a propósito, quantos “filhotes” do “Seis e Meia” foram gerados pelo Brasil afora, escancarando o mercado de trabalho dos músicos. O Projeto Pixinguinha consolidaria essa conquista, há dois anos decepada pelo atual Ministro da Cultura.
Circular, circular.
O novo ministro há que ter uma visão holística desse Brasil de tantas e diferenciadas culturas.
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Um matulão de notícias (1) - Jodacil Damaceno
Não sei redigir obituários, mas gosto de alguns epitáfios. “Essa mulher nunca topou chantagem”, ditou a grande Eneida de Moraes para os amigos gravarem em sua lápide. “As melhores mãos direitas da MPB devem tudo a ele”, escreveu Joyce tão logo soube da morte de Jodacil Damaceno.
Pedi a um profundo conhecedor da vida e obra de Jodacil, o luthier Ricardo Dias, que traçasse um breve perfil de um grande mestre do violão, falecido em 19 de novembro 2010. Você não encontrará esse obituário nos jornais. Essas perdas culturais costumam não gerar notícias.
Vamos lá: “Jodacil Damaceno nasceu em 03/11/1929 em Vargem do Mundo, distrito de Campos, Rio de Janeiro. Na década de 1950 começou a estudar acordeon com José Augusto de Freitas, de modo a ficar próximo da namorada, Ignez. O artifício deu duplamente certo: casou-se com ela e descobriu que Freitas lecionava violão, instrumento que também namorava, mas à distância. O próprio Freitas o levou a Antonio Rebello, aluno de Isaías Savio e avô dos integrantes do Duo Abreu. Trabalhando em escritório – tendo como colega de sala o poeta Herminio Bello de Carvalho – escapulia na hora do almoço para estudar na oficina do luthier Silvestre e nos fins de semana começava a dar aulas, sua vocação maior. Conheceu Segovia, Villa-Lobos e teve na Radio MC um importantíssimo programa de divulgação do seu instrumento: “Violão de Ontem e de Hoje”. Na década de 1970 lecionou na França, a convite de Turibio Santos, seu amigo e também aluno do Prof. Rebello. Nos Seminários de Música de Porto Alegre deu aulas para grandes nomes do violão, como Alvaro Pierri e Eduardo Fernandez. Foi um dos pioneiros na inclusão do violão na Universidade, tendo sido durante muitos anos professor na Universidade Federal de Uberlândia. Foi recitalista eventual e gravou dois discos: o primeiro, a convite de Arminda Villa-Lobos, com os prelúdios do maestro. Anos depois, lançou um CD com duos em parceria com Newton Fernandes. Ao completar 80 anos foi homenageado por sua aluna, a professora Sandra Mara Alfonso, com uma biografia em livro, resultado de sua dissertação de mestrado, “O Violão, da Marginalidade à Academia – Trajetória de Jodacil Damaceno”. Deixa inúmeros ex-alunos, uma interminável lista que vai de Helio Delmiro a Joyce, de Jards Macalé a Heitor TP, de Guinga a Marcelo Kayath. São 50 anos de dedicação ao ensino e, mais do que isso, aos alunos. Dedicava a todos igual atenção, um cuidado de ourives ao burilar quem lhe passava pela sala de aula. Enriqueceu tremendamente o violão brasileiro, deixando uma marca cujo peso ainda não pode ser avaliado. Deixa a esposa e companheira de quase toda a vida, Ignez, três filhos e duas netas.”
Joyce lembra outra discípula de Joda: Rosinha de Valença. E faço aqui um adendo ao texto de meu caro luthier: o conteúdo do programa “Violão de ontem e de hoje” (discos, informações) era todo ele fornecido por Joda, um apaixonado do assunto. Eu era apenas redator e locutor do programa. Fizemos ainda um programa chamado “Violão e poesia”. Ricardo Dias ficará responsável, acredito eu, pelo vasto acervo deixado por Jodacil. Um acervo tão importante quanto o de Ronoel Simões, outro colecionador e estudioso da literatura do violão, também desaparecido há pouco.
Pedi a um profundo conhecedor da vida e obra de Jodacil, o luthier Ricardo Dias, que traçasse um breve perfil de um grande mestre do violão, falecido em 19 de novembro 2010. Você não encontrará esse obituário nos jornais. Essas perdas culturais costumam não gerar notícias.
Vamos lá: “Jodacil Damaceno nasceu em 03/11/1929 em Vargem do Mundo, distrito de Campos, Rio de Janeiro. Na década de 1950 começou a estudar acordeon com José Augusto de Freitas, de modo a ficar próximo da namorada, Ignez. O artifício deu duplamente certo: casou-se com ela e descobriu que Freitas lecionava violão, instrumento que também namorava, mas à distância. O próprio Freitas o levou a Antonio Rebello, aluno de Isaías Savio e avô dos integrantes do Duo Abreu. Trabalhando em escritório – tendo como colega de sala o poeta Herminio Bello de Carvalho – escapulia na hora do almoço para estudar na oficina do luthier Silvestre e nos fins de semana começava a dar aulas, sua vocação maior. Conheceu Segovia, Villa-Lobos e teve na Radio MC um importantíssimo programa de divulgação do seu instrumento: “Violão de Ontem e de Hoje”. Na década de 1970 lecionou na França, a convite de Turibio Santos, seu amigo e também aluno do Prof. Rebello. Nos Seminários de Música de Porto Alegre deu aulas para grandes nomes do violão, como Alvaro Pierri e Eduardo Fernandez. Foi um dos pioneiros na inclusão do violão na Universidade, tendo sido durante muitos anos professor na Universidade Federal de Uberlândia. Foi recitalista eventual e gravou dois discos: o primeiro, a convite de Arminda Villa-Lobos, com os prelúdios do maestro. Anos depois, lançou um CD com duos em parceria com Newton Fernandes. Ao completar 80 anos foi homenageado por sua aluna, a professora Sandra Mara Alfonso, com uma biografia em livro, resultado de sua dissertação de mestrado, “O Violão, da Marginalidade à Academia – Trajetória de Jodacil Damaceno”. Deixa inúmeros ex-alunos, uma interminável lista que vai de Helio Delmiro a Joyce, de Jards Macalé a Heitor TP, de Guinga a Marcelo Kayath. São 50 anos de dedicação ao ensino e, mais do que isso, aos alunos. Dedicava a todos igual atenção, um cuidado de ourives ao burilar quem lhe passava pela sala de aula. Enriqueceu tremendamente o violão brasileiro, deixando uma marca cujo peso ainda não pode ser avaliado. Deixa a esposa e companheira de quase toda a vida, Ignez, três filhos e duas netas.”
Joyce lembra outra discípula de Joda: Rosinha de Valença. E faço aqui um adendo ao texto de meu caro luthier: o conteúdo do programa “Violão de ontem e de hoje” (discos, informações) era todo ele fornecido por Joda, um apaixonado do assunto. Eu era apenas redator e locutor do programa. Fizemos ainda um programa chamado “Violão e poesia”. Ricardo Dias ficará responsável, acredito eu, pelo vasto acervo deixado por Jodacil. Um acervo tão importante quanto o de Ronoel Simões, outro colecionador e estudioso da literatura do violão, também desaparecido há pouco.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Hermínio no "Entrelinhas"
Abaixo, você assiste à entrevista concedida por Hermínio ao jornalista Manuel da Costa Pinto, no programa "Entrelinhas", da TV Cultura.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Sete segundos
Apenas um átimo de sete segundos é o que resta da imagem de Jacob do Bandolim em nossos acervos áudiovisuais.
E lá está ele, à porta de sua casa em Jacarepaguá, em pé, dando uma entrevista cujo teor ignoramos. É que a cena foi recuperada por algum colecionador de imagens, mas à maneira do cinema mudo.
Jacob sem bandolim. Jacob sem voz. Não encontramos nenhuma imagem de Jacob tocando seu mágico bandolim.
Vamos dar nomes à essa ignomínia: descaso e incompetência.
Ainda que não sonorizada, quanto vale essa imagem de Jacob? Quanto valeria alguns minutos dele tocando sua própria obra, ou as de seu autor favorito, Pixinguinha?
Quanto vale aquele encontro “Entre Amigos”, com Jota Efegê reunido a seus comparsas na vida cultural: Carlos Drummond de Andrade, Nássara, Álvarus e, modestamente, o que ora digita estas notas. A escolha dos convidados, que se esclareça logo, foi imposição do próprio Jota.
Querem discutir política cultural, deixando de lado os problemas que ameaçam as emissoras ditas educativas e culturais? Dando nome aos bois: TV Brasil (ex-TVE) e TV Cultura. As duas estão encurraladas pelo desprezo que lhes devotam nossos dirigentes políticos.
Sim, é uma falácia – uma falácia atroz.
A TV Globo se dá ao luxo de criar um novo canal apenas para bisar e reprisar suas novelas e alguns de seus programas mais famosos, como a excelente Escolinha do Professor Raimundo. E bate recordes de audiência. Apesar do incêndio que devastou seus arquivos, muita coisa foi salva através de uma inteligente política de aplicação de recursos na preservação de seus acervos. Tudo bem, não temos a bela imagem de Pixinga ao piano e Tom Jobim na flauta, solando o “Carinhoso”. Eu tenho apenas o áudio, que gravei com um aparelhinho furreca, colado à tela do meu televisor de mínimas polegadas, quando passou o programa que registrou aquele mágico encontro, aliás narrado pela Elis Regina e Paulo Gracindo. Ao fundo, Albino Pinheiro, promotor do encontro. Grande Albino.
Ando me queixando sempre das mesmas coisas, não é? Pois vou agora ampliar meus queixumes, indo direto ao centro da questão.
Sou ligado às raízes da Escola Portátil de Música, assim como ao Instituto Jacob do Bandolim. Ministrei uma oficina naquele mágico e sonoroso colégio que agrega mais de 800 jovens alunos e tem uma penca de professores de primeira linha. Cito alguns: Mauricio Carrilho, Cristovão Bastos, Luciana Rabello, Paulo (do quarteto Maogani) e Pedro Aragão, além de minha querida Bia Paes Leme – a quem costumo me referir como um espécime equivalente à professora Cleonice Bernardinelli, a Divina Cleo, a maior autoridade em Fernando Pessoa.
Naquela oficina (“de coisas”, como a chamei) eu trabalhava ancorado em dois eixos, estranhezas e conexões. Não vou explicar a teoria desse método, simplesmente porque ele só existe na prática. Mas a emoção que despertava na garotada ser apresentada ao clarinete de Abel Ferreira, à flauta de Mestre Copinha, ao universo grandioso de Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, ao quinteto de Radamés Gnattali e à extinta Camerata Carioca, nascida em 1979, nas comemorações dos 10 anos de desaparecimento de Jacob do Bandolim. Hoje muita coisa está no YouTube ou no Google.
Desde aquela época, há quase dez anos, nunca pude mostrar um dos programas mais importantes que produzi e apresentei na ex-TVE, um “Água Viva” de 1977, com a pianeira Tia Amélia do Jaboatão, tocando ao lado do então nascente grupo de choro Os Carioquinhas. Vamos lá encontrar Mauricio Carrilho, Luciana Rabello, além de um menino de14 anos chamado Raphael Rabello (1962-1995). Era um prenúncio da Escola Portátil.
Quanto valeria esse programa? Quanto você pagaria para ser apresentado àquele momento de absoluta magia? E, pergunta principal, porque não reprisam aquele “Água Viva” (e tantos outros, que eternizaram encontros igualmente importantes?).
Gustavo Gruta, guardem esse nome que afetivamente chancelamos apenas como Gruta e que, segundo ele, de alguma forma iniciou sua carreira de diretor teatral com o espetáculo “Onomatopéia Não é Palavrão”, que está finalizando temporada no Centro Cultural Banco do Brasil. O “Onomatopéia” nasceu de um concurso de monografias instituído pela Oficina de Coisas, e que resultou na edição de um livrinho (ou opúsculo, se preferirem). Mas que prefiro mesmo chamar de resíduo cultural, porque um programa ou evento que não gere um resíduo (livro, um programa, vídeo etc.) não se eterniza. E o nosso Gruta quer fazer um evento comemorativo dos 10 anos da Escola Portátil de música, da qual é aluno de canto da professora Amélia Rabello (não por acaso, irmã de Raphael) – e dei-lhe a sugestão de procurar uma cópia daquele “Água Viva”. Juntando aquelas imagens a outras – em que surge a Camerata Carioca acompanhando Radamés, Caymmi, Elizeth –, ele teria um belo perfil de alguns professores responsáveis pela Escola.
E aí surgiram os óbices. A fita existe, está engavetada e nunca foi recuperada, apesar dos recur$os que a Petrobrás teria disponibilizado para os trabalhos de recuperação técnica do preciosíssimo acervo da ex-TVE.
Os subsídios colhidos abaixo dizem bem da situação daqueles acervos. A TVE alega que não tem máquina Quadruplex para rodar aquelas fitas, enquanto a TV Cultura – embora ameaçada por José Serra de desaparecer do mapa – parece cuidar melhor de seus acervos. A existência ou não de máquinas Quadruplex e U-matic está mais explicitada nos subsídios que agrego a esta crônica um tanto indignada.
Finalizo dando uma colaboração, porque minha natureza é propositiva: que a TVE faça um convênio com algumas das emissoras que ainda possuem Quadruplex e recupere as fitas que estão apodrecendo em seus armários, “devolvidas ao anonimato”, como gosto de enfatizar.
Para isso é necessário vontade política e competência administrativa. Conveniar com quem possui essas geringonças. Em nome da salvação da chamada Memória Nacional, essa desmiolada senhora que, volta e meia, é lembrada às esperas das eleições.
Temos aí um novo governo eleito pelo povo. Essa questão nunca foi discutida nos debates a que assisti. Cultura, matéria secundária. Memória Nacional, que bobagem!
Lembro que mandei uma carta para o Lula, tão logo ele foi eleito. Não tiraria uma virgula, se a reenviasse (1) para a presidente Dilma. Ou presidenta, como ela parece preferir . No Eça de Queiroz encontramos “generala”. Não faz muita diferença, desde que ela cumpra suas promessas.
Sergio Cabral pai e eu somos Conselheiros Master do Museu da Imagem e do Som. Faço aqui um desafio ao jornalista e pesquisador Hugo Sukman, que responde pela Fundação Roberto Marinho, patrocinadora do magnífico prédio que abrigará o novo MIS. Mesmo apelo à Rosa Maria Araújo, diretora do MIS. Igual apelo ao governador Sergio Cabral, unha-e-cuticula como o (ainda) presidente Lula. Presidente, dê uma cochichada no ouvido do ministro Franklin Martins, para que libere esses trabalhos que poderiam ser conveniados com a Globo ou com quem mais tivesse as tais Quadruplex.
Bem, acabo de cumprir meu papel nessa discussão com a pergunta renitente. Quanto vale um minuto de Pixinguinha, Jacob, Aracy de Almeida, Abel, Copinha, dos Carioquinhas, da Camerata acompanhando Radamés e Elizeth?
Não contrataram mestres-calceteiros lusitanos para recuperar nossas pedrinhas portuguesas, quase todas desniveladas em todos os cantos da cidade? Não precisamos mandar essas fitas lá para fora. Conveniar, essa a solução.
Leiam os subsídios abaixo, e tirem suas conclusões.
Em 6 de novembro de 2010 22:06, Gustavo Guenzburger (Gruta) escreveu:
Oi Hermínio,
Parece que aquela lista que você me mandou das fitas já recuperadas inclui grande parte do acervo em U-matic. A parte em Quadruplex é que está totalmente parada, esperando outro patrocínio. Muito louco este esquema cultural atual, onde para recuperar um patrimônio público, uma empresa estatal como a TVE tem que submeter um projeto a uma empresa de capital particular ou misto, para usar um dinheiro que é 100% estatal, que é a grana via lei Rouanet. Com a mudança da Lei (que está sendo negociada há 4 anos e agora deve sair), espero que isto mude, que esta via seja mais direta. Já que o dinheiro é do governo, devíamos poder pedir diretamente ao governo, de maneira pública e transparente. Um dia será assim. Vamos torcer para que nossas fitas, rolos, filmes jornais, fotos, revistas, etc não apodreçam antes disso.
Abraço,
Gruta
Do Celso Taddei, texto que por si só explica suas boas intenções :
Olá, amigos, com licença, boa noite. (Hermínio, só pra explicar minha invasão repentina em meio a seus imeios: quem lhes escreve é o Celso Taddei, que trabalha com o Gruta no projeto da EPM – aliás, é um grande prazer falar, mesmo eletronicamente, com você!) Bom, ocorre que consegui algumas informações – não muito animadoras, sinto dizer - a respeito da recuperação das nossa fitas. Até onde eu soube, existem apenas duas máquinas leitoras de quadruplex no Brasil . Uma é da Cultura e a outra é da Globo. Até o Arquivo Nacional, quando assume projetos para digitalizar filmes desse formato (como fez recentemente com o acervo da TV Tupi) busca parceria com uma dessas duas empresas. Assim, as máquinas são bastante solicitadas e costumam estar sempre ocupadas. Mas o maior problema é o custo. Como se trata de material antigo – e em geral maltratado pelo tempo e pelo armazenamento descuidado – antes de ser colocada na máquina, uma fita quadruplex precisa passar por todo um processo de limpeza e higienização. Ou seja: requer mão de obra especializada, mais algum equipamento, um ou outro material, e verba, verba e mais verba. Como eu disse, essas foram apenas as primeiras informações que levantei com gente que trabalha na área. Hà chance de não estarem corretas, da coisa ser mais simples, de existirem outras máquinas (lembrei, por exemplo, do Instituto Moreira Salles – escrevi pra Bia (Paes Leme) e estou no aguardo...) Vou continuar assuntando e entrar em contato com o setor de digitalização lá da Globo. Qualquer (boa) novidade, grito. Por enquanto, infelizmente, é isso. Não há nada perdido, mas parece que a briga vai ser boa. Fortes abraços - e vamos em frente!
Celso
Vamos a um e-meio enviado por mim para o Gruta :
Sent: Saturday, November 06, 2010 6:47 PM
Subject: Re: Fw: Carioquinhas e Tia Amélia do Jaboatão - Água Viva na TVE - 1977
Meu Gruta,
A Globo tem uma Quadruplex, e parece que a TV Cultura tb. Talvez a Record, quem sabe?
O que me deixa muito triste é essa informação enganosa que a ex TVE vem passando para a imprensa, de que seu acervo está sendo recuperado.
Claro que, se houvesse disposição política, essa situação já teria sido resolvida. Até porque, se existem recursos, por que não terceirizar essa recuperação? Quanto vale um minuto de Pixinguinha, de Tom Jobim, de Clementina, de Carlos Drummond de Andrade?
A TVE remunera mal seus funcionários, e sua grade de programação está empobrecida.O que o Ministério das Comunicações quer mais? Já falam na extinção da Tv Cultura.
Parte do acervo que consegui preservar, penso que teria melhor destino o You Tube ou a Google. Melhor do que deixar apodrecer a memória, engavetá-la.
Em qualquer país civilizado do mundo, surgiriam mecenas com grana para buscar as máquinas lá fora (elas existem, sim). Ou então fazer um convênio com quem as possui. O certo é que parte do acervo está em Umatic, e outra em Quadruplex.
Um abraço do velho
Herminio
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