terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um matulão de notícias (1) - Jodacil Damaceno

Não sei redigir obituários, mas gosto de alguns epitáfios. “Essa mulher nunca topou chantagem”, ditou a grande Eneida de Moraes para os amigos gravarem em sua lápide. “As melhores mãos direitas da MPB devem tudo a ele”, escreveu Joyce tão logo soube da morte de Jodacil Damaceno.
Pedi a um profundo conhecedor da vida e obra de Jodacil, o luthier Ricardo Dias, que traçasse um breve perfil de um grande mestre do violão, falecido em 19 de novembro 2010. Você não encontrará esse obituário nos jornais. Essas perdas culturais costumam não gerar notícias.


Vamos lá: “Jodacil Damaceno nasceu em 03/11/1929 em Vargem do Mundo, distrito de Campos, Rio de Janeiro. Na década de 1950 começou a estudar acordeon com José Augusto de Freitas, de modo a ficar próximo da namorada, Ignez. O artifício deu duplamente certo: casou-se com ela e descobriu que Freitas lecionava violão, instrumento que também namorava, mas à distância. O próprio Freitas o levou a Antonio Rebello, aluno de Isaías Savio e avô dos integrantes do Duo Abreu. Trabalhando em escritório – tendo como colega de sala o poeta Herminio Bello de Carvalho – escapulia na hora do almoço para estudar na oficina do luthier Silvestre e nos fins de semana começava a dar aulas, sua vocação maior. Conheceu Segovia, Villa-Lobos e teve na Radio MC um importantíssimo programa de divulgação do seu instrumento: “Violão de Ontem e de Hoje”. Na década de 1970 lecionou na França, a convite de Turibio Santos, seu amigo e também aluno do Prof. Rebello. Nos Seminários de Música de Porto Alegre deu aulas para grandes nomes do violão, como Alvaro Pierri e Eduardo Fernandez. Foi um dos pioneiros na inclusão do violão na Universidade, tendo sido durante muitos anos professor na Universidade Federal de Uberlândia. Foi recitalista eventual e gravou dois discos: o primeiro, a convite de Arminda Villa-Lobos, com os prelúdios do maestro. Anos depois, lançou um CD com duos em parceria com Newton Fernandes. Ao completar 80 anos foi homenageado por sua aluna, a professora Sandra Mara Alfonso, com uma biografia em livro, resultado de sua dissertação de mestrado, “O Violão, da Marginalidade à Academia – Trajetória de Jodacil Damaceno”. Deixa inúmeros ex-alunos, uma interminável lista que vai de Helio Delmiro a Joyce, de Jards Macalé a Heitor TP, de Guinga a Marcelo Kayath. São 50 anos de dedicação ao ensino e, mais do que isso, aos alunos. Dedicava a todos igual atenção, um cuidado de ourives ao burilar quem lhe passava pela sala de aula. Enriqueceu tremendamente o violão brasileiro, deixando uma marca cujo peso ainda não pode ser avaliado. Deixa a esposa e companheira de quase toda a vida, Ignez, três filhos e duas netas.”
Joyce lembra outra discípula de Joda: Rosinha de Valença. E faço aqui um adendo ao texto de meu caro luthier: o conteúdo do programa “Violão de ontem e de hoje” (discos, informações) era todo ele fornecido por Joda, um apaixonado do assunto. Eu era apenas redator e locutor do programa. Fizemos ainda um programa chamado “Violão e poesia”. Ricardo Dias ficará responsável, acredito eu, pelo vasto acervo deixado por Jodacil. Um acervo tão importante quanto o de Ronoel Simões, outro colecionador e estudioso da literatura do violão, também desaparecido há pouco.