Antropóloga, amiga querida, colega de trabalho nos tempos da Funarte – que beleza a introdução que Lélia faz ao belo e imprescindível livro “Mário de Andrade: cartas de trabalho”, epistolografia que revela a importância de febril atuação de meu guru frente à criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico, redator que foi do anteprojeto que daria vida àquele órgão. Ele e Rodrigo Mello Franco cimentaram os alicerces do SPHAN. “Mario de Andrade tinha por principio fazer circular o seu conhecimento múltiplo pelas diversas áreas do saber em que atuou”, destaca Lélia em seu texto.
A cultura tem que circular, é um bordão que adotei há alguns anos, talvez inspirado nesse pequeno parágrafo que pincei da preciosa introdução que a saudosa antropóloga fez para aquele maço de cartas de trabalho.
Perdemos Lélia há poucos meses, depois de uma longa batalha contra o câncer. Iria escrever o prefácio do livro que, desde o principio, me estimulou fazer: trazer a público minha correspondência com o poeta Carlos Drummond de Andrade. Será um trabalho revelador, pelo menos num aspecto: a atenção que nosso maior poeta dava a um animador cultural que tentava seguir, numa escala reduzidíssima, a trilha traçada pelo grande Mário.
Hoje não se discute política cultural, que aliás tornou-se desimportante desde a era Collor, quando ele extirpou o Ministério da Cultura do organograma governamental. Viria depois o grande Aloísio Magalhães, o último a pensar e executar um projeto cultural que encontrou um forte esteio na Funarte, com seus diversos institutos atuando em nível nacional. Veio daí o Projeto Pixinguinha, cria do berço esplêndido de outro projeto, o “Seis e Meia”, idealizado por Albino Pinheiro. O Pixinguinha, projeto cuja exemplaridade era ressaltada pelo professor Celso Furtado, foi decepado do leque de projetos da atual Funarte. Seu algoz é o atual ministro, que o substituiu pelos chamados Pontos de Cultura que, reconheçamos, atende pelo menos alguns programas pontuais que atuam fora do vicioso eixo Rio-São Paulo.
Está em curso uma guerra pouco santa: uma disputa feroz pelo cargo de Ministro da Cultura do Governo Dilma Rousseff. A Secretária Estadual dessa pasta no Rio de Janeiro está, pelo que leio no “O Globo”, empenhada em prorrogar por mais quatro anos o mandato do titular da pasta, que a ocupou por oito anos, revezando-se com Gilberto Gil. Seria um mandato quase tão longevo quanto o do ministro Gustavo Capanema, na era Vargas.
“Fazer circular o seu conhecimento”, volto à querida Lélia Coelho Frota para expressar meu desencanto com a nossa área cultural. Porque vivo cercado de jovens compositores, instrumentistas, cantores – todos à margem de um mercado cada vez mais afunilado e também asfixiado pela indiferença dos poderes. Lembro, a propósito, quantos “filhotes” do “Seis e Meia” foram gerados pelo Brasil afora, escancarando o mercado de trabalho dos músicos. O Projeto Pixinguinha consolidaria essa conquista, há dois anos decepada pelo atual Ministro da Cultura.
Circular, circular.
O novo ministro há que ter uma visão holística desse Brasil de tantas e diferenciadas culturas.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Um matulão de notícias (2) - Lélia Coelho Frota
Marcadores:
Funarte,
Lélia Coelho Frota,
Mário de Andrade,
Ministério da Cultura