quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Propondo uma reflexão

Hoje faço parte do Conselho Estadual de Cultura, que não deseja ter uma função vegetativa dentro do processo renovador do Rio de Janeiro. Olho para os lados e vejo companheiros das mesmas lutas que há 30, 40 anos travamos para despoluir as mentes, com o mesmo objetivo de “iluminar as pessoas por dentro”, como bem observou o dramaturgo-psiquiatra Roberto Freire. As novas gerações carecem de formuladores de novas políticas culturais, de pensadores do porte de Mário de Andrade, Roquete Pinto, Darci Ribeiro, Anisio Teixeira, Gustavo Capanema, Rodrigo de Mello Franco, Nilse Silveira – que utilizaram ferramentas não convencionais, inaugurando conceitos num processo de valorização dos bens materiais e imateriais do nosso país.

Quando externei o pensamento de que a cultura deveria ser tratada como matéria de segurança nacional, logo tentaram criar conexões com os modelos aplicados pelas muitas ditaduras que se sucederam a partir do golpe de 1964. Aos néscios mal intencionados, o meu desprezo. Entendo que não só os contornos geográficos é que determinam as fronteiras físicas de uma nação: nossos sotaques diferenciados, as danças e cantos populares, o folclore, as crenças e credos, parlendas, a culinária, são essas e muitas outras diversidades que nos dão um registro cultural extremamente original – que devemos lutar para que não se perca.

Meia-entrada

O assunto entra nessa história, e se faz necessário explicar sua inserção neste texto do blog: no já referido Conselho está em processo uma discussão a respeito da meia-entrada. Me vejo ao lado de figuras imponentes iguais a Haroldo Costa, Ziraldo, Edino Krieger, Lélia Coelho Frota – companheiros meus, há mais de 30 anos, nessa barcaça frágil que nos conduz, aspirantes a náufragos, tormentas afora. A discussão específica sobre a meia-entrada será feita em plenário, mas careço expor meus pontos de vista e as experiências colhidas ao longo da minha vida. A meia-entrada, tal como a conhecemos, é um fenômeno brasileiro. Ela cumpriria plenamente suas finalidades, porque é igualmente uma ferramenta de estímulo à formação de novas (e jovens) platéias, caso não servisse a uma rede de corrupção que confecciona carteiras falsas de estudantes, criando uma platéia fantasma que obriga o empresariado a compensar a perda de bilheteria com o aumento dos ingressos a patamares inalcançáveis para a classe média.

Lembro que ao iniciarmos o Projeto Seis e Meia (1976) o preço do ingresso equivalia ao preço de um maço de cigarros. Era um projeto que subsidiava o espectador – assim como, logo em seguida, o Projeto Pixinguinha fixaria as mesmas regras. Qual era, então, a diferença?

Confesso que sou muito simpático à mudança do conceito de meia-entrada para “ingresso social”. Quando realizamos 24 sessões extras, durante a temporada de 3 meses do espetáculo “O samba é minha nobreza” no Cine Odeon BR para a rede pública escolar, optamos por chamá-las de sessões pedagógicas, porque a intenção era trazer a estudantada para dentro do cinema, criar um novo hábito cultural, educativo – um estímulo real, sem artifícios, que objetivava a formação de novas e jovens platéias.

Enfim: essa é uma questão importante que não pode ser ignorada pelo público que tenta ir aos cinemas e teatros e se vê impossibilitado de freqüentá-los por não dispor de uma carteirinha falsificada que lhe dê as benesses de uma obscura meia-entrada. É importante analisar essa questão sob o mesmo prisma dos produtos piratas que inundam o comércio de rua. Meia-entrada beneficia igualmente os idosos acima de 60 anos – e os resultados podem ser vistos, sobretudo, na rede de teatros, com o fenômeno das vans lotadas com o pessoal da terceira idade, na qual me incluo. Seria mais justo que todos pudessem ir ao teatro, pagando preços mais acessíveis.

Ecologia musical

Olhos mudos, ouvidos cegos – usava essa metáfora em minhas oficinas para denunciar o processo de imbecilização e idiotização promovido pelos meios de comunicação, com destaque para emissoras de rádio e televisão. Defendo a tese de uma ecologia musical, e essa discussão passa pelo retorno da educação musical nas escolas e também pela Internet, instrumento poderoso e usado, às vezes, de forma ambígua e criminosa e por vezes desinformadora.

Somos, de alguma forma, guardiões dessa cultura que vai se apodrecendo igual aos tantos manguezais que, feito o Jequiá, ajudam a oxigenar a água que bebemos. Manifeste-se.