domingo, 26 de setembro de 2010

Meu voto vai para o Buraco Quente

Era um hábito: pegar o carro e levar meus amigos ao Buraco Quente, na Mangueira. Antes, passava pelas casas de Cartola e Zica, de Neuma e também na de Carlos Cachaça e Menininha, arregimentava aqueles amigos e íamos nos fartar de alegria na Birosca da Efigência do Balbino, no Buraco Quente.

Há uns anos (mais de 10 e menos de 15) um amigo meu me fez cumprir a promessa de levá-lo a um lugar que, por minha causa, povoava seu imaginário. Passei pela casa de Neuma e tentei convencê-la a nos acompanhar naquela visita. Ela relutou, melhor seria pedir umas cervejas e ficar por ali mesmo, e achei estranho. Mas, enfim, sou tinhoso quando boto uma idéia na cabeça, e acabei enlaçando minha amiga e lá estamos nós três bebendo uma geladinha. Eis que olho para meu amigo e o vejo com os olhos esbugalhados. Foi quando me dei conta da meninada que passava com armas ensarilhadas, uma juventude dominada pelo tráfico, e aí entendi a relutância de Neuma em nos acompanhar. Ela apenas sussurrou para meu amigo Alecir: “meu filho, finja que não está vendo”.

O mesmo hábito eu guardava para amigos de fora: levá-los para conhecer a casinha de vila que habitei na infância. Subia pela Hermenegildo de Barros, ia direto pra rua Aarão Reis e embicava o carro pro Beco Ocidental. Era o menino que voltava ao seu parque de diversões. Em frente, numa imponência cheia de estranhezas, ficava um então sossegado Morro da Coroa. Há pouco tempo, naquelas imediações, meu amigo, o teatrólogo Vicente Maiolino, foi brutalmente assassinado. 

Fui envelhecendo, perdendo meus amigos queridos, e nunca mais voltei à minha Escola de coração: aquela que, vista do alto, mais parecia um céu no chão, ele coberto de esmeraldas.  Alvorada lá no morro, que beleza!? Nunca mais.

Meus 75 anos de vida eu os passei no Rio de Janeiro, e nunca sonhei em sair daqui. Tenho uma amiga querida que foi obrigada a sair de sua casa, nas imediações da Mangueira, porque sua rua foi tomada pelo tráfico. Ela, com filho pequeno, não quis se arriscar.

Moro num bairro relativamente  tranqüilo, onde me dedico a plantar lírios-da-paz nos canteiros mal tratados pela prefeitura e a advertir aqueles que insistem em não recolher as fezes de seus cachorros, indiferentes aos deficientes físicos que transitam por ali. Algumas pessoas ainda estranham em ver aquele idoso catando lixo nos canteiros. Mas  acabam aderindo à iniciativa.
 Integrantes da Escola Portátil de Música

Ontem fui me encontrar com o pessoal da Escola Portátil de Música na Taberna da Glória, que foi meu refúgio nas décadas de 50 a 70. Naquela época morava na Beco do Rio, hoje extinta, que ficava a poucos metros da antiga Taberna onde bebi com Araci de Almeida e Ismael Silva, e onde Mário de Andrade se encontrava com a fina flor da inteligência carioca – inclusive a própria Araca.  

A Escola Portátil e o Instituto Jacob do Bandolim estão comemorando dez anos de existência! De alguma forma, muitíssimo modesta, estimulei meus amigos a concretizarem seus sonhos. Tive o cargo de conselheiro naquelas duas casas e me afastei quando fui nomeado para o Conselho Estadual de Cultura – então presidido por minha querida amiga Ana Arruda Callado. Me demiti do Conselho quando vi que um manifesto que assináramos não tivera a menor ressonância na imprensa do país. Protestávamos contra a ausência de uma política cultural por parte de um ministério que desde a ascenção do Fernando Collor perdera sua expressividade. 

Tenho acompanhado as ações das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), voltadas  para algumas comunidades dominadas pelo tráfico. Os resultados são claros na maioria delas: não ver aquela multidão de trabalhadores afrontada por armamentos bélicos,  saber que equipamentos culturais e sociais estão sendo montados com o objetivo de resgatar o direito de cidadania conspurcado pelas milícias – a tudo isso some-se a alegria de ver que nossa Escola Portátil de Música (800 jovens que estudam, discutem e tocam Pixinguinha, Anacleto, Tom Jobim) ganhou enfim uma sede. Ela fica na rua da Carioca, perto da Praça Tiradentes.

Num voto de confiança ao Governo do Estado que busca um segundo mandato, estou doando todo meu acervo ao novo Museu da Imagem e do Som (MIS). Espero que, no próximo mandato, seja dada mais atenção aos bordões que vivo apregoando por aí – a cultura tem que circular. Há que reabrir as portas do Teatro João Caetano para um projeto similar ao Seis e Meia, criado por Albino Pinheiro. Que o futuro Ministério da Cultura saia de sua letargia e abra o mercado de trabalho para os músicos brasileiros, recolocando na estrada o (criminosa e covardemente) extinto Projeto Pixinguinha. Há que levar para essas UPPs as tantas jovens orquestras (Furiosa Portátil, Leviana, Imperial) que estão soltas por aí. Aliás, um passo já foi dado pela Secretaria de Cultura: jovens professores da Escola Portátil estão atuando em Manguinhos. Meu voto para governador vai para Sérgio Cabral.
 
 Senadora Marina Silva

Meu voto para presidente vai para Marina Silva, embora saiba que o cargo será ocupado por outra mulher, de quem espero um olhar mais incisivo para a educação e a cultura, tão maltratados nesses últimos anos. Concordemos que com estomago vazio ninguém consegue ir à escola. Estratificada uma política que não seja meramente assistencial, que se dê ao povo o direito de exercer sua cidadania, a de ser um brasileiro sem medo de ir aos lugares que povoaram sua infância e juventude, e que muitas escolas portáteis ( que são verdadeiras UPPs culturais) proliferem pelo país afora.

Antes de terminar, uma denúncia: querem acabar com a TV Cultura, ou reduzi-la à mesma desimportância da ex-TVE, hoje TV Brasil. 

Em tempo: não exerço nenhum cargo público, vivo da minha aposentadoria e de meus parcos direitos autorais.

Sim, há que lembrar: a heróica Amar-Sombrás está fazendo 30 anos de existência. Que saudades de Mauricio Tapajós!

E que São Pixinguinha nos inspire e proteja na hora de votar.

Hermínio Bello de Carvalho