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Zezé Gonzaga (1926-2008), mestra do canto brasileiro, nos deixou em 24 de julho de 2008.
Recebeu, em vida, a notícia de que a ela fora concedido o título (acima) de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Foi a primeira cantora brasileira a receber esse título, por inciativa do Prof. Luiz Otávio Braga. Bastante debilitada pela saúde, faleceu dias antes da cerimonia de entrega.
Há duas semenas, seu disco "Entre Cordas" concorreu, sem vencer, à categoria de Projetos Especiais do Recente Festival (ex-Tim) de Música Brasileira. É seu legado artistico, ela entrelaçada às cordas do Quarteto Maogani, Mauricio Carrilho, Baden Powell, Hamilton de Hollanda, Luiz Otavio Braga, Cristina Braga, João Lyra e outros.
Num especial gravado para a TVE, Radamés Gnattali aponta Zezé Gonzzga como sua cantora favorita.
No dia 24, Zezé Gonzaga ganhará alguns canteiros de flores ("Lírios da paz") na rua onde existe o Edificio Pixinguinha.
Sem discursos nem velas. Apenas com uma imensa saudade. Afinal, Zezé Gonzaga é um bem ecológico.
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Os poemas a seguir integram o livro "A voz e o tempo" (edição particular), dedicado a Zezé Gonzaga e publicado em 3 de setembro de 2007 (aniversário da cantora), numa tiragem limitadíssima de 3 exemplares ilustrada por Luiz Pessanha.
A VOZ E O TEMPO*
O tempo não fala
mas roi em silêncio
as emoções;
com arte disfarça
e grava sua marca
nos corações.
Em seus labirintos
existem gradís
se ocultam prisões;
que ele, esse tempo,
ao tempo escancare
a luz que habita
os seus porões.
Ao vento eu empresto
a voz que me deram:
que o tempo a carregue
de muitas canções.
(*) Este poema recebeu música de Maurício Carrilho.
BADERNA DA GLÓRIA
Faz tempo, esse batizado!
Garanto não ser chalaça :
no cálice bento a cachaça
fez a vez de água benta;
Já caí em tentação
No primeiro sacramento :
a roupinha de pagão
virou emplastro e unguento
de mirra, mijo e marafo.
E como se fosse um Te-Deum
cantaram um samba na igreja
Era Ataulfo ou Noel?
(A gente sentia no bafo
a força da patuléia
quando após o Santo Ofício
foi-se aos pastéis com cerveja
cantando Saudades da Amélia)
Alguns anos depois
eu, aquele menino,
numa taberna de glórias
entre pastéis, empadinhas
Eis que ouvi um Benguelê.
(Eram grilhões e senzalas
De uma África inteira
Que em renda e alfazema
Se corporizava ali :
corimas e caxambús
e cantos de pastorinhas
e jongos, lundús, ladainhas ).
E disso guardei memória :
Do seu Outeiro desceu
em Glorias, clemente Senhora
cantando um Agnus Dei.
Num silêncio de oratório
fez então seu ofertório :
Meus olhos verdes benzeu.
E formou-se a procissão :
Eram anjos e coroinhas
jongueiros, porta-bandeiras,
passistas e mestres-salas
também negros e pastores
mulatos, ateus e carolas
mães-de-santo, judeus,
formando blocos e ranchos
e escolas com mais de mil alas
a mais fina flor da ralé
e, no andor, Mãe Quelé.
Quanto de amor e doçura
Deu-me aquela criatura
Quando seu canto espargiu.
Naquela baderna, na Glória,
Outra voz tão linda assim
nem Deus eu acho que ouviu! )
O HOMEM É MAIS O QUE PENSA
O homem é mais o que pensa
Do que ele deixa lavrado.
A palavra é feito um seixo
Que rola pelo riacho;
E vai desaguar noutras águas
Se perdendo a identidade.
Não é feito o pensamento
Que vive nem aprisionado :
E no que se enclausura
Mais nos eixos fica enfeixado.
É feito um trem posto nos trilhos
Mas que se vê sem os freios :
O homem, e o que ele pensa
É bem mais que pensamento :
É a curva desembestando
À frente da locomotiva :
É o freio que, não parando,
Logo o trem desencarrilha.
O pensamento é viúvo
Que nunca esposou de fato :
Vive dele com ele mesmo
Sem dar-se conta do exato.
Os aneis pensos no dedo
Lembra a sua viuvez :
Na outra mão, a solteira,
Vive a sua sordidez.
Com ela futuca os buracos
Dos corpos da vizinhança
E faz com os dedos a festa
E promove a sua lambança.